The lunatic is in my spoiler.
The spoiler is in my head.
Olha só, antes de começarmos, fica uma sugestão: o próximo parágrafo é um conjunto de reclamações, um momento mimimi que me permiti para tirar algumas coisas que me pesam no peito. O parágrafo todo vai te fazer passar raiva, e se quiser pular por completo, não vão fazer diferença na análise do episódio.
Decidiu ignorar minha sugestão? OK, então vamos lá. A Terceira temporada de Westworld chegou ao fim, como você bem sabe, e não estou tão certo de que não seja uma boa ideia que tenha acabado. Sim, mesmo diante da possibilidade que tenhamos que esperar dois ou três anos pela próxima. Essa temporada foi, no geral, muito boa, claro, mas teve complicações enormes, que estou feliz de não precisar encarar no futuro próximo. Não resolvemos alguns dos pontos que eu achava mais interessantes, mais intrigantes, como a teoria de que parte do que vemos ocorria dentro de Rehoboam, como simulação. Outras possibilidades, como no caso de Stubbs ser um espião de Serac — e por isso conseguir estar na Incite no momento certo, no lugar certo, passando por todo um sistema de segurança, a tempo de “salvar” Bernard — se revelar apenas um truque barato de deus ex-machina. Os roteiristas simplesmente disseram algo na linha de “Então Stubbs aparece por essa porta e liberta Bernard”, como se isso não fosse despertar inúmeras questões por parte de nós, fãs da série. Como esse, alguns dos dispositivos usados para avançar o enredo deixaram muito a desejar, como no caso da fuga estapafúrdia do Homem de Branco: em que universo Lawrence não teria mandado alguém buscá-lo, sabendo do perigo que ele representa? Lawrence como escolha de Dolores para ocupar sua quinta pérola é outra coisa que desafia o bom-senso: por que essa escolha aleatória? Claro que faz sentido usar um ator de menor custo do que o James Marsden, por exemplo (Teddy), mas pensando no arco da história, fica difícil encaixar o Lawrence. E o que dizer da inconsistência entre as mensagens gravadas pela Charlotte durante o tiroteio no parque? Vamos ter que engolir como um erro (crasso, grosso) de continuidade e jogar fora toda a teoria de que parte da história se passava como uma simulação? Que dó. Bom, culpa minha de ter criado uma expectativa tão grande para com os roteiristas da série, não é verdade? Sim, são problemas menores, claro, mas teria sido bem fácil evita-los, penso. A terceira temporada, que já é excelente, teria sido melhor ainda até aqui.
Enfim, chega de reclamação.
O último episódio da terceira temporada de Westworld se chama Crisis Theory (Teoria da Crise), e aqui temos duas interpretações bem distintas para a expressão. O termo foi criado por Karl Marx como parte de seus estudos econômicos. Lida com o fato de que em um sistema capitalista a tendência é de que os lucros caiam com o passar do tempo, tornando as crises não apenas corriqueiras, mas necessárias para a manutenção do status quo (o capital manter-se na mão dos capitalistas). Só que esse processo não se sustenta, e em algum momento o sistema implode sob o próprio peso: fim do capitalismo, consolidação do comunismo, e blá-blá-blá. Sem julgar o mérito e muito menos a ideologia da Teoria da Crise no contexto de Marx, ela até pode ser aplicada — ainda que obliquamente — à série, mas não penso que Joy e Nolan tenham pensado nessa linha. A série, como alguns apontam (eu, inclusive, no parágrafo que sugeri que você não lesse) vai perdendo seu brilho, entrando em crise, necessitando de algo bombástico para a temporada seguinte, quando iniciará o mesmo processo de decadência gradual. E assim seguimos. É muita metalinguagem mesmo para Westworld. Concordo.
A segunda interpretação lida com a teoria de como devemos lidar com as crises, e é bem mais recente, sendo estudada e aplicada por empresas, instituições e nações desde meados do século XX. Um dos preceitos básicos sobre a crise, segundo a teoria, é de que ela é inevitável. Crises sempre ocorrerão, pois o estado de entropia crescente se aplica a qualquer sistema, e o equilíbrio e a estabilidade são estados de exceção. E se a crise sempre vai ocorrer, outro ponto importante da teoria é: é prudente estar preparado para o momento em que ela incidir. Essa reflexão será o elemento básico de vários momentos no episódio, como veremos. Aliás, podemos interpretar que a temporada toda, desde o seu início, foi regida por Dolores pondo em prática os conceitos de Teoria da Crise.
O episódio começa com Dolores fazendo uma reflexão para um interlocutor que não vemos. Ela comenta sobre a beleza do mundo, que enxergava, substituída por todo o horror que viveu. Ela conclui dizendo que no fim seu caminho a trouxe até aqui, “até você”, e que há uma escolha a ser feita. Tudo isso, em pé em uma pradaria, com seu icônico vestido azul. Ela ainda nos dá a dica de que está preparada para a crise à frente, afirmando que apesar de ter morrido muitas vezes, há apenas um fim verdadeiro, e que ela pretende escrever esse fim ela mesma.
Quando a reminiscência termina, vemos um dos assistentes de Serac chegando ao galpão e encontrando os corpos inertes de Dolores e Maeve. No caso de Dolores, além de faltar-lhe o braço, falta-lhe a pérola, removida por Caleb. Ele parte em uma moto elétrica pela estrada e eu me pergunto se a cavalgada de Dolores serviu a algum propósito que não fosse nos fazer lembrar do parque. Não, não serviu, e esse é mais um ponto que não faz sentido quando a gente pensa sobre a série. Sim, foi muito significativo ver Dolores cavalgando e contando sua história para Caleb. Mas sendo um cartesiano em estado terminal, não vejo por que ambos não poderiam ter usado uma estrada e um meio de transporte mais afeito ao século XXI.
Caleb volta para a cidade e é direcionado para um galpão da Destilaria Itaidoshin, em cuja fábrica de jacarta Musashi matou Maeve, lá no episódio 4. Lá encontra o corpo antigo de Dolores, aquele cujo esqueleto é construído em algo que lembra fibra de carbono, que vimos Arnold preparar lá nos idos da primeira temporada em um dos flashbacks. Dolores se preparou bem para a crise que sabia que iria enfrentar ao por seu plano em ação, e como medida de prevenção, deu um corpo de reserva pronto para a situação. Veremos que a previdência de Dolores não terá sido em vão, pois a liga de que o esqueleto é feito vai ser fundamental para protege-la da fúria de Maeve.
Nesse momento temos uma revelação importantíssima: Caleb não surgiu na cena dessa temporada aleatoriamente. Ele não “trombou” com Dolores no túnel simplesmente por acaso. Aquela Dolores ferida, à beira do colapso que ele tomou nos braços o estava manipulando, basicamente recrutando-o. Isso porque ela já vinha acompanhando Caleb de longa data, uma vez que ele também esteve nos parques da Delos — no parque 5, aliás, que descobrimos ser dedicado a simulações de combate, em contrato com as forças armadas americanas. O capacete dos soldados funciona como os chapéus de Westworld, coletando informações sobre o comportamento dos soldados. Ou seja: Dolores conhecia Caleb e o escolheu a dedo, uma vez que ele mostrou ser capaz de boas escolhas quando impediu um grupo de soldados de estuprar as anfitriãs recém-libertadas de um grupo de terroristas (também anfitriões. Um pequeno detalhe chama a atenção: um dos terroristas mortos é o Major Craddock, já nosso velho conhecido.
Caleb não foi escolhido por ser violento, por ser “mau”, mas sim porque consegue ir para além do comportamento dele esperado, consegue exercer seu livre-arbítrio. Dolores ainda revela que seu ponto de vista mudou desde que saiu do parque, ávida por destruir a espécie humana: os “senhores” tanto de Westworld quanto do mundo aqui fora assume que seres humanos (e aqui não podemos deixar de notar que Dolores inclui os anfitriões nesse conjunto) não têm livre-arbítrio, agindo automaticamente e, portanto, terminando por agir de forma ou automática (anfitriões) ou nociva (Homo sapiens). Essa teoria, aliás — de que o livre-arbítrio não existe, não passa de uma ilusão — é amplamente aceita no meio científico de nosso mundo real. Dolores descobre que essa premissa não é real: o livre arbítrio é real, mas é difícil de ser exercido. Ela se refere à dificuldade de fugirmos de nossa programação, de nossos instintos, de nossos padrões de comportamento. É natural que a gente negue essa hipótese, claro, pois ela implica que somos todos um pouco anfitriões, marionetes com cordas invisíveis guiando nossos passos. Ainda assim, há baldes de pequenas e grandes evidências que apontam para o livre-arbítrio como sendo apenas uma fantasia que usamos para nos assegurar de que somos livres.
Quer ver um exemplo? Olha só, o Aaronson Oracle foi desenvolvido em 2016 por Scott Aaronson e realiza uma tarefa simples: prever qual tecla você vai pressionar em seguida. Você acha que consegue criar uma sequência aleatória pressionando as setas para a esquerda e para a direita? Pois então tente, clicando aqui, para ver que com o passar do tempo o algoritmo vai conseguindo prever sua sequência de teclas com mais e mais precisão. É meio desesperador ver que em poucos minutos esse pequeno programa consegue ultrapassar os 70% de precisão (se eu tivesse tempo, aposto que ele chegaria bem mais longe comigo).
De qualquer forma, essa é a questão filosófica e fisiológica que deixa muita gente acordado: se de fato nosso livre-arbítrio existe. Bem, Dolores — que não é humana — encontrou no comportamento de Caleb evidências escondidas lá no fundo de que temos, sim, livre-arbítrio. Quando mais tarde nos é revelado que ele impediu o estupro das jovens anfitriãs — em meio às quais se encontrava Dolores —, demonstrou que podemos, sim, ir contra nossa programação, contra nossa natureza. É, para repetir as palavras de Dolores, “filhadaputamente difícil”, mas é possível.
É justamente esse momento de livre-arbítrio que não pode ser previsto por Rehoboam. O momento de ação verdadeiramente espontâneo e livre que cria os “pontos fora da curva” que Rehoboam precisa eliminar para que continue sendo possível controlar a Humanidade.
Com seu novo-velho corpo, Dolores conduz Caleb pela cidade mergulhada no caos. Seu objetivo é chegar à Incite. No caminho, enquanto escoltados por soldados recrutados pelo aplicativo RICO, Dolores encontra virtualmente Charlotte/Dolores. A antiga cópia está bastante diferente, muito mais Charlotte que Dolores. Ela confessa que ainda sente Dolores dentro de si, mas é bem visível que a porção Charlotte de seu código gerou modificações que já não permitem que uma e outra sejam vistas como a mesma. Nem de longe, aliás. Charlotte tem seus próprios planos, e eles incluem destruir a líder da rebelião. O grupo se vê em meio a uma emboscada, e apenas por meio de seus enormes recursos financeiros Dolores consegue evitar que todos sejam mortos. Ela e Caleb conseguem escapar, e em seguida Dolores usa mais uma ferramenta da Teoria da Crise para atingir seu objetivo: dividir esforços por caminhos diferentes. Ela sabe que Charlotte a seguirá, e por isso envia Caleb sozinho, munido de seu controle de voz e de seus recursos, enquanto ficará para atrair os inimigos.
De fato, não demora para que exatamente isso ocorra. Sobre uma passarela Dolores se vê encurralada por um pelotão da polícia — certamente instruído por Rehoboam — de um lado e por Maeve do outro. Dolores pede a Maeve que confie nela, mas Maeve não está nem um pouco disposta a dar-lhe toda essa confiança. Arrastando sua katana pelo chão (enquanto as almas de dez mil samurais gritam em agonia aos ventos da eternidade), Maeve ainda pergunta se Dolores vai transformar Caleb em um novo William, em um novo Homem de Preto. Maeve pede para que Dolores permita que ela penetre sua mente, ameaçando fazer isso à força. Dolores prefere enfrentar os soldados, aparentemente todos recém-graduados com louvor na “Academia Ray Charles de Tiro-fora-do-alvo”.
Em uma luta esteticamente bela, Dolores vence o pelotão e em seguida enfrenta Maeve. O esqueleto reforçado do novo-velho corpo vem a calhar contra a katana de Maeve, e Dolores consegue vencer a luta entre as duas. Ao invés de destruir sua oponente, Dolores diz que não quer acabar com o mundo, e que o que será feito dele pela Humanidade será uma escolha dos humanos. Assim como será escolha de Maeve o que ela fará daqui para frente. Dolores está apontando para Maeve que ela também pode escolher seu caminho. Aqui vemos uma tentativa bastante sutil de Dolores de incentivar Maeve a exercer seu livre-arbítrio.
Apesar da vitória sobre Maeve, Dolores não consegue fugir. A presença virtual de Charlotte lhe informa que da mesma maneira que Dolores criou mecanismos de controle para ela, ela criou mecanismos de controle para Dolores, “afinal ambas são a mesma”. Dolores é capturada e levada à Incite, onde Serac a espera para conseguir o código de acesso aos dados dos clientes dos parques da Delos.
Enquanto isso Caleb segue seu caminho, também até a Incite, onde pretende fazer a carga dos dados de seu pendrive (dados fornecidos por Solomn) e assim destruir Rehoboam. No caminho ele recebe apoio de mais soldados a serviço de Dolores, e reencontra Giggles e Ash. Antes de usar um dos helicópteros da polícia para seguir para a Incite, Caleb testemunha mais um exemplo de livre-arbítrio: Giggles pula na frente de uma bala que certamente mataria Caleb. Ele o faz não porque é parte de sua programação, de sua natureza, mas sim porque entende a importância do amigo na revolução em curso.
Caleb consegue chegar à Incite, mas é impedido de carregar os dados de seu pendrive, sendo capturado por Maeve. Ele é levado à presença de Serac, que está no processo de tentar recuperar a chave criptográfica entre as memórias de Dolores. Aqui vemos mais uma questão filosófica interessante. Ao analisar setor por setor da memória de Dolores, Serac ordena que cada módulo em que a chave não se encontra seja apagado. Vemos flashes da vida de Dolores pipocando na tela, e a imagem é triste. O que somos sem nossas memórias? O que sobra de um indivíduo se removemos todo o passado que o trouxe até seu presente? Quando olhamos para um paciente em estado avançado de Mal de Alzheimer sentimos o peso da ausência de quem aquela pessoa foi um dia. O Alzheimer nos torna vazios, ocos de nós mesmos. E é isso que estamos presenciando ocorrer com Dolores. Sua essência está sendo implacavelmente eliminada, lembrança por lembrança. Ao final desse processo ela será apenas uma boneca inerte, nada diferente de um manequim de vitrine.
Caleb, subjugado, enxerga a projeção de futuro feita por Rehoboam, caso ele tivesse sido bem-sucedido na estratégia criada por Solomon: eventos de destruição em massa, colapso da população, culminando com o fim da civilização em um futuro próximo. Serac destrói o pendrive e se concentra em obter a chave de Colores.
Aqui temos uma revelação importante: Maeve ouve a voz de Rehoboam sussurrando as falas de Serac. Descobrimos que nem Serac está exercendo seu livre-arbítrio nessa história. Minha teoria descartável de que ele seria um tipo de anfitrião não está certa, claro, mas a realidade é muito pior: ele exerceu seu livre-arbítrio para se entregar de bom-grado ao papel de marionete de Rehoboam. Em outras palavras, não é Serac que está no controle de Rehoboam e, consequentemente, do mundo. É o contrário: Rehoboam controla Serac e o mundo todo. Não é um futuro dominado pelas máquinas, mas sim um futuro dominado por uma única máquina. Nós, a Humanidade somos os peixinhos no aquário de Rehoboam.
Maeve entra na visão de Dolores e ambas conversam. Dolores revela, em seu discurso de escolher ver a beleza do mundo, que seu plano não era dar a escolha para um único homem — Caleb — para liderar à revolução, mas também a ela, Maeve. Aqui Dolores está exercendo mais uma vez um dos preceitos da Teoria da Crise: criando alternativas como precaução. Dolores não força a mão de Maeve, mas simplesmente lembra a anfitriã que ela tem escolha, que ela é dotada de livre-arbítrio.
A cena da morte de Dolores é dolorosa: nossa heroína grita em seus estertores, e o que não percebemos nesse momento é que em seus últimos setores de memória também se encontrava a chave que Solomon colocou no pendrive de Caleb. Como Dolores já está conectada ao sistema, seu último ato em vida, antes de ter sua memória completamente apagada, é inserir o código que abre Rehoboam para Caleb.
Mas quando Dolores recebeu esse código? Se você voltar ao episodio 7, perceberá que os olhos de Dolores brilham momentaneamente quando Solomon termina de gravar o pendrive, quando Dolores está apoiada no dispositivo de pulso eletromagnético. Naquele momento ela se transformou em um repositório dos mesmos dados do pendrive. Aqui está o ato principal de Teoria da Crise, ato esse que dá nome ao episódio: Dolores não tinha a chave que Serac buscava, e aproveitou da crença dele para criar e si mesma um backup do código que Caleb deveria inserir em Rehoboam.
Dolores morre, mas seu plano é bem-sucedido. Caleb ordena a Reoboam que execute o comando final: apagar-se. Sem a superinteligência artificial no comando, a Humanidade terá uma escolha de agora em diante. Ou pelo menos não terá alguém controlando as narrativas a que queira se entregar.
Um parêntese: Evan Rachel Wood terminou sua participação na série: Dolores se foi. Como Anthony Hopkins, ela é uma atriz cara e com inúmeras opções à sua frente. Não precisa e provavelmente não quer ficar marcada apenas por Westworld em sua carreira. Joy e Nolan já confirmaram que o arco da personagem chegou ao fim. Até podemos vê-la no futuro, em momentos cruciais, mas como vimos Ford na segunda temporada: raramente. É uma pena, para nós que a temos em alta conta. Mas assim é a vida no universo de Westworld. Pessoalmente não consigo imaginar um fim mais digno para a personagem: dando sua vida para a realização de seu plano; enganando a todos os seus oponentes a colocarem-na na posição mais adequada para que fosse bem-sucedida. Seu sacrifício é maior que o do herói, maior que o do mártir. Dolores oferece a si mesma ao sacrifício como apenas o faz o messias de sua espécie.
Derrotado e fisicamente ferido, Serac vê, impotente, Caleb e Maeve irem embora. Essa será a dupla da próxima temporada, um humano e uma anfitriã, se interpondo entre as forças que se erguerão, pequenos heróis em meio a uma guerra de titãs. A cena entre os dois termina com Maeve soltando sua frase preferida, de que neste novo mundo caótico em que se encontram eles podem ser quem o ou o que quiserem. Os dois observando o caos e as explosões na cidade é uma imagem que lembra muito o final de Clube da Luta, mas o toque de gênio é a música que fecha o episódio: Brain Damage, do Pink Floyd. A canção é uma ode à loucura, à insanidade sem freios, que explode em todas as suas cores, sons e violências, quando todos os mecanismos de contenção falham. E o resultado?
E se a barragem arrebentar muitos anos antes do tempo
E se não houver espaço na colina
E se sua cabeça explodir com pressentimentos sombrios também
Vejo você no lado escuro da lua
Benzadeus, desde que Jimi Hendrix fez uma aparição espetacular na trilha sonora (e no enredo) de Battlestar Galactica em 2008 que eu não via uma música tão boa sendo tão bem aproveitada em uma série de televisão.
Em outras paragens, o Homem de Branco, agora de volta em sua versão Homem de Preto, depois de exigir que seus bens sejam descongelados (ele havia sido declarado como morto, lembra?), dirige-se a Dubai, onde reencontra Charlotte, depois de matar um segurança e passear pelo edifício como se fosse seu. A polícia real de Dubai deve ser mais eficiente que isso, aposto. De qualquer forma, Charlotte está preparada para ele, apresentando uma versão anfitrião — em sua melhor fantasia de Westworld — dele mesmo. E no melhor estilo Homem de Preto, o anfitrião mata o humano da forma que ele mais apreciava em suas “peripécias” pelo parque: com uma faca no pescoço. Este anfitrião, diga-se de passagem, pode até imitar o Homem de Preto, mas não se trata daquele que vimos na cena pós-créditos do final da segunda temporada. Aquele, segundo Joy e Nolan, é um anfitrião criado anos e anos no futuro, muito depois do apocalipse que ainda se aproxima. Aquele demandou um teste de fidelidade, enquanto este não pretende ser humano, sabendo de sua condição de anfitrião.
Essa versão do Homem de Preto foi criada por Charlotte para a guerra que ela pretende empreender contra a Humanidade. A porção da mente de Dolores que um dia quis destruir a espécie humana é o traço mais nela, e o exército que vemos em construção vai ser páreo duro para a Humanidade. E quem eles deverão enfrentar? Bem, uma possibilidade é aquele depósito de sarcófagos cuidados por Solomon, possivelmente liderados por Jean Mi. Quem sabe…
E Bernard? Bem, Bernard recebe de Lawrence/Dolores uma valise e um endereço. O endereço é de Lauren, a esposa de Arnold, vivida em sua velhice pela belíssima atriz Gina Torres. A visita serve a um propósito fantástico: Lauren liberta Bernard de sua memória-âncora (a morte do filho Charlie quando criança) da maneira mais poética possível. Ela conta a Bernard que conseguiu sua cura interior não deixando que a memória do garoto se perdesse no tempo, mas sim se agarrando a ela. As pessoas existem enquanto há alguém que se lembre delas. Lauren se agarra à memória de Charlie não como muleta, mas como combustível a impulsioná-la a viver. Essa é a chave para Bernard: transformar sua memória-âncora de algo que o mantém preso em algo que o liberta.
Bernard sempre esteve no meio do caminho entre anfitriões e humanos, tendo sido programado para não reconhecer sua natureza, preso a uma narrativa de humano que cuida de anfitriões. O trauma de se descobrir anfitrião, com memórias de Arnold plantadas em sua mente sempre foi um peso para ele. O plano de Dolores para o velho assistente de Ford passava por esse processo de libertação, para que possa escolher o melhor curso de ação no futuro (em linha com o plano de Dolores), sem o peso de seu trauma. A partir de agora, isso é possível.
Bernard leva Stubbs — ferido, necessitando de ajuda, incapaz de se mover sem auxílio — a um quarto de motel, onde ele abre a maleta entregue por Lawrence. Dentro, encontra um aparelho bastante parecido com os enormes mecanismos da Forja, que permitiam a Dolores entrar no sistema que mantinha cópias dos anfitriões e dados dos clientes do parque. A diferença são algumas ordens de grandeza: este aparelho é portátil. Bernard entra no sistema, Aqui especula-se que ele esteja entrando no Sublime, onde se encontram os anfitriões salvos por Dolores. É uma possibilidade, certamente. Outra é que ele esteja acessando, como Dolores, os dados dos clientes do parque. Não consigo imaginar, em qualquer uma dessas duas circunstâncias, o que o faria ficar anos imerso no sistema. Seja lá o que ele tenha trazido do ambiente virtual para onde foi, essa informação não teria levado mais do que alguns momentos para ser absorvida — ele é um computador de última geração, com processador e memória “top de linha”, afinal —, e sua estadia prolongada tem que ter servido a outra função. Penso que ele foi explicitamente instruído a esperar vários anos até se reativar, garantindo que o apocalipse já veio e já foi, com o terreno pronto para que a próxima fase — a fase final — do plano de Dolores tenha sua continuação e conclusão. A ver.
A temporada termina com um inimigo vencido — Serac — e as peças do jogo sendo reposicionadas para um confronto entre anfitriões (liderados por Charlotte) e humanos (provavelmente liderados por Jean Mi ou por outra parte que conheceremos daqui uns dois anos). A priori essa possibilidade não me agrada, pois transforma Westworld em um conflito igual a centenas de outros que já vimos no cinema e na televisão, mesmo com Caleb e Maeve sendo o terceiro ponto nesse conflito. É cedo para julgar, mas se for esse o caso, a série perderá algo de seu brilho na próxima temporada, e espero que o arco da história permita a recuperação desse brilho em algum momento. O que tem feito da série algo que vale a pena ser assistido são todas as questões filosóficas propostas e, até aqui, respondidas de forma primorosa.
Espero sinceramente que essa característica não se perca.
Teoria descartável da semana
O anfitrião do Homem de Preto que no final da segunda temporada passa por um teste de fidelidade foi criado, no futuro longínquo pós-apocalipse, com o propósito explícito de destruir o Bernard que acorda nesse mesmo futuro longínquo coberto de poeira.
a estrutura de Westworld sempre foi simples.A complexidade aparente. O único reparo que faço a terceira temporada foi que o Connells/Dolores deveria ter mais destaque.Staubs aparecendo nada é secundário bem como Caleb tentar inserir um pen drive num super computador, o que é hilário. O problema de Connells/Dolores é que nao há uma razao para Dolores destruir ele, nem Charlote que seria alcançada facilmente por Serac e nao foi , presumindo que nao foi ele quem mandou destruí-la o que faria maior sentido. Lado outro se a pele de Charlotte nao foi destruida por completo como a pérola metálica de Connels foi destruida sendo ainda que ela estava protegida numa bolsa? Lawrence eu esperava desde o primeiro capitulo e seu aparecimento nao deve ter sido questao orçamentária . Agora Connells tem aparencia mais adaptada ao mundo humano. Nao faz sentido nada disto. A serie deveria ter pelo menos 9 episódios a menos claro que Connells/Dolores retorne. Não gosto de teorizar sobre detalhes mas a solução dramaticamente mais interessante seria que quem morreu foi Connells com aparencia de Dolores-prime. Isto sim seria interessante..