Spoilers! Spoilers! Let it all spoilers! These are the things I can do with spoilers. Come on, I’m talking to you, come on!
A impressão geral que o segundo episódio dessa terceira temporada me deu foi de uma dança de salão, daquelas bem animadas do século XIX, em que os participantes trocam de parceiro(a) várias vezes durante a música. Não encontrei o nome para esse tipo de dança em português, mas em inglês eram conhecidas como Mixer Dance, ou “Dança Mesclada”, em tradução livre. A Mixer Dance já foi usada como mecanismo em vários filmes românticos, com o mocinho e a mocinha rodopiando pelo salão com parceiros diferentes até se encontrarem, finalmente, para a dança triunfal. Claro que, nesse percurso, outros parceiros e parceiras vão impor todo tipo de entrave ao encontro. Esse tipo de dança é bastante simétrico, com ambos trocando sincronizadamente e rodopiando em harmonia até o encontro final. E, geralmente, antes desse encontro, um entrave final prolonga por mais tempo a separação. Mas nossos heróis sempre perseveram e invariavelmente terminam juntos.
Assim tem sido o percurso de Bernard e Maeve até aqui: uma longa dança em direção um ao outro, trocando de parceiros até o encontro final.
Em seu lado do “salão” — e aqui descobrimos que o nome do quarto parque é War World —, Maeve dança com os soldados alemães, rodopia com Hector, cai nos braços de Sizemore (em uma coreografia que, por pouco, não me fez brigar com a série), até chegar ao último parceiro antes de Bernard: o arquiteto de Rehoboam, Engerraund Serac.
Bernard, por sua vez, já havia valsado com os colegas no frigorífico filipino, troca passos com o barqueiro que o leva de volta a Westworld, e chega até Stubbs que, como já desconfiávamos era um anfitrião.
De par em par, Bernard e Maeve vão se aproximando, mas ainda sem chegar um ao outro.
O episódio se chama The Winter Line, e não é por acaso. Este é o nome de um conjunto de linhas de defesa criados pelos nazistas em torno da Rodovia 6, que cruza o país do Mar Adriático ao Mar Tirreno, em uma linha ininterrupta dos dois lados até Roma.

A Linha de Inverno era um conjunto de fortificações cujo objetivo era impedir o avanço dos aliados até Roma, e é justamente esse sistema que está descrito no mapa que Hector quer levar aos aliados (em sua cabeça reprogramada). Da mesma forma, podemos interpretar que o nome do episódio se refere a todos os obstáculos que Maeve e Bernard têm que enfrentar para se encontrarem. Bernard busca Maeve por crer que será uma aliada na luta contra Dolores. Maeve não está nem aí para ninguém, a não ser para si mesma e para a longínqua possibilidade de reencontrar sua filha que se foi em definitivo para O Vale Além’, o paraíso dos anfitriões, quando o portal aberto por Dolores se fechou.
As histórias que os aproximam são intercaladas, lembrando os entrelaçamentos do episódio 1.9, A Well Tempered Clavier (Um Cravo Bem Temperado), sobre o qual já comentei: ponto e contraponto. Uma dança coreografada que, no caso do episódio presente, leva os dois protagonistas de encontro um ao outro.
Em uma interpretação mais direta, The Winter Line se refere à narrativa em que Maeve se encontra, como a espiã inglesa perdida em uma vila italiana ocupada pelos nazistas. Ali ela tem que romper as linhas de defesa dos invasores para poder escapar. Reencontramos Hector, que teve sua mente apagada e aqui se chama Ettore, um partigiano, que busca levar um mapa para os aliados. Em suma: Hector não se lembra de nada do que lhe ocorreu, e nem reconhece Maeve por quem ela é, chamando-a de Isabella, o nome que tem nessa narrativa. Percebemos que as coisas não são bem o que parecem quando Maeve tenta controlar os anfitriões nazistas e falha. Algo está errado.
No ápice da narrativa, cercado por dois nazistas, Ettore recebe a ordem para entregar o mapa e se recusa. É uma bela e triste homenagem a reação de Maeve: “Entregue o mapa. É tão vazio quanto o cofre que você costumava roubar”, uma referência direta à narrativa de Hector em Westworld.
Após a “morte” do amado, Maeve põe a pistola contra a própria cabeça e puxa o gatilho. Seu objetivo é claro: voltar à Mesa. De fato, ela acorda nua, cercada por Felix e outro técnico que a reconstroem. Quando Felix não a reconhece (e, mais tarde, Sylvester também não percebe quem ela é), sabemos que tem algo muito errado.
O tiro de misericórdia na ilusão é dado pela entrada em cena de Sizemore, que vimos ser cravejado de balas para permitir a fuga de Maeve. Confesso que fiquei desapontado ao vê-lo, imaginando que se tratava de um deus ex-machina barato por parte dos autores. Só em um enredo de quinta categoria veríamos o ressurgimento de um personagem de forma tão ostensivamente fajuta.
Ainda bem que Maeve é mais inteligente do que eu, pois ela percebe que tem coisas erradas demais em tudo à sua volta, e assim descobre que só pode haver uma explicação: ela está em uma simulação. Se os parques da Delos são simulações de situações reais para o entretenimento dos clientes, ela se encontra “em uma simulação dentro de uma simulação”, como disse o amigo de Liam no episódio passado. E Maeve sendo Maeve, ela vai buscar a forma de dominar a situação e fazer valer sua vontade.
A forma usada por Maeve para quebrar a simulação em que se encontra é bem conhecida de quem trabalha com TI ou com redes de computadores: um ataque DDoS, ou seja, sobrecarregar o sistema de tal forma que ele simplesmente pare de funcionar. Ela começa perguntando a dois analistas na Mesa (ou, devo dizer, na simulação da Mesa) qual é raiz quadrada de -1. Para quem conhece matemática do segundo grau, não há um número real cujo produto por si mesmo seja -1, e a gente simplesmente chama esse número de “número imaginário”, ou “i”. Ou seja: o ser humano é capaz de entender rapidamente que o problema não tem solução, atribuir um rótulo simples e seguir em frente. Um computador não funciona assim, e o computador em que a simulação de Maeve está sendo executada não é exceção: em pouco tempo mais e mais recursos são dedicados a resolver o problema insolúvel.
Com essa sobrecarga em curso, Maeve dá o golpe de misericórdia no sistema: coloca o mapa de Hector nos bolsos de todos os nazistas, revelando na praça da pequena vila que todos são traidores. O resultado é a parada total que ela busca.
A partir daí, Maeve consegue hackear o sistema e ganha acesso às câmeras do mundo lá fora, identificando que sua “pérola” — seu cérebro eletrônico — está conectado a um computador. Quando ela invade um robô, toma sua pérola na mão e põe em ação uma tentativa de fuga espetacular, vemos um dos raros furos de enredo em Westworld: como ela pode controlar toda a ação se está desconectada de qualquer sistema ou computador quando sua pérola está nas mãos do robô? Ah, só fizeram um upload dela no sistema, que não está usando a pérola para nada? Então por que essa pérola não está guardada em algum lugar qualquer e continua conectada ao sistema? Bom, isso tudo é irrelevante, uma chatice de minha parte. Vamos em frente.
De qualquer forma, quando Maeve acorda, está vestida de branco e caminha por uma vasta mansão até encontrar seu captor: Engerraund Serac, também vestido de branco.
Aqui é interessante observar que por design, o branco e o preto costumam denotar “bem” e “mal” em Westworld. William começou usando branco lá na primeira temporada, e não é à toa que se tornou o “homem de preto”. Nessa temporada, Dolores usou preto em quase todo o episódio 1, e agora vemos Maeve e Serac de branco. Não tem como a mensagem ser mais clara: os produtores querem que saibamos quem está de qual lado do “bem”. Se as coisas são assim preto-e-branco, não aposto um centavo, mas é interessante identificar para onde os produtores querem que lancemos nosso olhar subliminar.
Maeve descobre que foi cooptada por Serac para uma missão simples: matar Dolores. Se ela vai fazer isso ou não, e mesmo se essa é a intenção final de Serac ou não, tenho seríssimas dúvidas. Mas o fato é que Serac investiu tempo e recursos para recriá-la a seu modo: muito provavelmente com sua capacidade de controlar objetos cibernéticos à sua volta (anfitriões, robôs e tal), mas com mecanismos de defesa que a impeçam — como já a impediram — de causar dano a ele.
Sobre Serac ainda há muito a ser descoberto e a ser dito. Ele ocupará, penso, o lugar de Ford nessa temporada. Será o semideus, controlando o fluxo das ações dos bastidores. Não saberemos a extensão de seu poder até que ele resolva nos mostrar, e desconfio que seja grande. Afinal de contas, ele criou Rehoboam, que efetivamente controla a Humanidade inteira. “Engerraund Serrac”, aliás, é um anagrama para “a danger censurer”, ou um censor de perigo, aquele que censura, que barra o perigo. Pode ser só uma coincidência, mas penso que esse é o papel de Serac: um guia, evitando que a Humanidade se exponha indevidamente a perigos. Rehoboam, pelo que podemos depreender, corrige a rota das pessoas e assim resolve, por exemplo, o problema do aquecimento global.
O que mais me intrigou na fala de Serac foi o que ele disse sobe a “guerra” que afirma estar em curso:
“Ninguém sabe que está acontecendo, ou que já foi perdida.”
Penso que Serac, aqui, nos mostra o que só descobriremos lá na frente, quiçá no fim dessa temporada (mas provavelmente mais à frente ainda): a guerra entre anfitriões e humanos será vencida pelos anfitriões. Dolores será bem-sucedida em seus esforços. Serac, de alguma forma, já sabe disso, e luta agora por criar um futuro em que possa salvar a Humanidade do que provavelmente seria sua extinção. Talvez ele esteja prevendo que Dolores vai, em última instância, optar por destruir a espécie humana mesmo depois de nos ter subjugado, e Maeve deve estar lá para impedi-la, justamente porque ela não liga a mínima nem pelos humanos nem pelos demais anfitriões.
De qualquer forma, Maeve é o coringa desse baralho, um agente livre (mais ou menos, como mostra o botão mágico de Serac) que pode se contrapor aos planos de Dolores.
Penso, ainda, que Dolores sabe disso, e justamente por conhecer o potencial destruidor de Maeve, colocou Bernard em ação.
Bernard chega à ilha de Westworld e se dirige à réplica da casa da infância de Ford, onde havia descoberto suas cópias, naquele momento longínquo em que descobriu que era um anfitrião. Ali, em busca de um tablet que o auxilie a descobrir se foi secretamente programado por Dolores, ele encontra Stubbs. O anfitrião da segurança, tendo cumprido sua última ordem (dada por Ford) tentou detonar a vértebra explosiva em sua coluna, e falhou, sendo relegado a sofrer até sua bateria acabar.
Resgatado por Bernard, passa a fazer uma dupla interessante com ele, em algo que tende a se tornar o par divertido dessa temporada. O passeio de ambos pela Mesa mostra o potencial dessa dupla, com Bernard obcecado por descobrir se há rotinas escondidas em sua programação enquanto Stubbs corre atrás de um pelotão inteiro de guardas armados munido apenas de um machado medieval. É ou não é para rir?
Aqui descobrimos que há um parque medieval em algum lugar na ilha, pois assistimos a um músico entoar o tema de Westworld em seu alaúde. Vemos também a dupla de criadores de Game of Thrones, David Benioff e D. B. Weiss como técnicos, apontando para um enorme robô de Drogon que “será vendido para um parque na Costa Rica”. A referência é clara a Jurassic Park, que supostamente fica na Ilha Nublar e, assim como Westworld é uma criação de Michael Crichton. Um belíssimo easter egg desse episódio. Não me admiraria se o parque medieval se chamar, como sugeriu J. R. R. Martin, Westerosworld.
Sobre a obsessão de Bernard: é claro que tem coelho nessa cartola. Não creio que Dolores o tenha reativado para simplesmente prover equilíbrio na guerra que ela está lutando. Não creio que Bernard seja simplesmente o contrapeso às ações de Dolores. Bernard está certo de buscar entender o que Dolores fez com ele, mas penso que os propósitos dela sejam bem mais profundos do que se possa enxergar agora. Dolores sabe que Bernard vai tentar descobrir o que ela planeja. Ela conta com isso, aliás. E penso que, quanto mais Bernard tentar lutar contra os planos de Dolores, mais vai contribuir para o sucesso desses planos.
Terminamos o episódio com Bernard reprogramando Stubbs ainda mais uma vez, para que seja seu comparsa daqui para frente. Ambos vão agora em busca de Maeve, em um último rodopio pelo salão, até que os três possam iniciar a caça a Dolores, talvez já no próximo episódio.
Teoria descartável da semana
Os diagramas circulares de Rehoboam não apontam anomalias dos anfitriões, mas sim dos humanos. Os humanos têm implantes que são acompanhados por Rehoboam, e os anfitriões não têm (aquelas “hóstias” que vemos humanos tomando de vez em quando ativam e reprogramam esses implantes). A anomalia no mar do sul da China, nesse episódio, é o comportamento do barqueiro, que sai inexplicavelmente de sua rotina e se dirige para uma ilha distante onde não teria motivos para estar. Em outras palavras: Rehoboam sabe que coisas estranhas estão acontecendo, mas só porque, creio, acompanha os seres humanos que apresentam enormes desvios de comportamento. A ver.
Uau!
Obrigado!
Ótima resenha, como sempre.
Muito obrigado, Ana!