Aviso 1: aqui tem mais spoilers do que gente sem noção no Facebook.
Aviso 2: se você achou que o episódio 2.8 é encheção de linguiça, filler, perda de tempo, ou outra coisa no gênero, esse texto definitivamente não é para você.
O oitavo episódio da segunda temporada de Westworld leva o nome de “Kiksuya”, um termo em língua lakota que pode ser traduzido como “lembrar”, ou “relembrar”, podendo ser usado como verbo ou como substantivo (lembrança, memória). Sob o ponto de vista antropológico, o ato de relembrar é fundamental para as populações que ainda não tiveram a linguagem escrita introduzida em sua cultura, e este é o caso das populações indígenas das Américas (como da África, da Ásia e da Oceania, claro). O conhecimento e a História são passados oralmente, de uma geração para outra, ambos preservados em ricas mitologias. Essas mitologias afloram a partir das inúmeras histórias contadas pelos mais velhos aos mais novos, e essa é a imagem que mais fica evidente nesse episódio. Se, no episódio passado, tivemos uma lembrança conjunta de Bernard e Charlotte sobre os acontecimentos dos dias e semanas anteriores, essa seção sessão de lembranças foi bem ao estilo ocidental: cortar para o momento anterior e deixar que os acontecimentos falem por si mesmos. Já o que vimos aqui foi uma verdadeira sessão de “Kiksuya” ao estilo lakota: Akecheta efetivamente narra a história do episódio para a filha de Maeve. As cenas serão sempre entrecortadas por sua narrativa, em que ele mescla o idioma lakota com o inglês. Mais sobre este ponto daqui a pouco.
Começamos o episódio vendo o Homem de Preto se arrastando à beira de um riacho, brigando consigo mesmo para não morrer devido aos três ferimentos a bala que carrega em seu corpo. Ouvimos o galope preguiçoso de um cavalo e vemos Akecheta se aproximar, em sua habitual pintura. Ele se lembra do Homem de Preto e, vendo que ainda está vivo, o põe de atravessado em seu cavalo e o leva para o acampamento provisório da Nação Fantasma. Lá chegando, ele descarrega o Homem de Preto e recebe uma de suas “demonstrações de gratidão”. Se era para vê-lo morrer ali, Alecheta deveria tê-lo deixado à beira do rio e passado ao largo. Akecheta responde com sabedoria o que tende a se tornar mais um meme nas redes sociais: “A morte é uma saída desse mundo violento. Você não merece essa saída.”
Akecheta deixa o Homem de Preto e se volta para a filha de Maeve. Aqui cabe um parêntese: até o momento não sabemos o nome dela. Em todos os repositórios e fóruns de discussão, ela é referida apenas como “a filha de Maeve”. Esse fato colabora para “esquentar” algumas teorias mais tresloucadas sobre Westworld. Alguns fãs insistem que essa menina — por torções insalubres da lógica e caminhos perigosos do raciocínio — que ela pode ser Charlotte. Isso exigiria uma máquina do tempo e provocaria uma debandada geral da série, pois não haveria coerência nenhuma com a linha narrativa, claro. Mas, se é para especular, ela pode ter sido baseada em Charlotte quando criança — uma vez que já estamos a algumas décadas no futuro do tempo em que Charlotte tinha a mesma idade — e pode ter sido encomendada, por exemplo, por sua mãe ou seu pai, caso sejam investidores influentes da Delos. Neste caso (e isso é só uma especulação), ela pode ter alguma característica diferente que terá importância no futuro. Como sempre, a ver.
Na lembrança da menina ao ver Akecheta, Maeve brinca de casinha com a própria filha, identificando-lhe as bonecas. Ela encontra uma pedra, que a menina diz ter sido dada pelo “fantasma”, que é um aviso, e que ele as está observando. Aqui cabe uma observação importante: em inglês, “ele estará nos observando” é “he will be watching us”. A menina pode ter ouvido errado, ou pode estar lembrando errado, e o “fantasma” pode ter dito, na verdade “I will be watching over you”, que quer dizer “eu as protegerei”. É bem mais coerente com a atitude de Akecheta para com a menina nesse momento: ele a tirou do perigo para protege-la das balas de Maeve, de Lawrence e seu bando, e dos guardas do parque. Maeve observa a pedra, e vemos que ali há um baixo relevo do labirinto, aquele mesmo de Dolores, da narrativa da primeira temporada. Essa pedra é bem mais que um aviso, como veremos mais tarde nesse mesmo episódio.
Corta brevemente para a Mesa, onde vemos Sizemore levando Maeve a um dos técnicos (de nome Roland, segundo o IMDb) para ser socorrida. O interessante aqui é o semblante e a atitude de Sizemore. Em episódios anteriores, ele se provou por várias vezes o funcionário covarde, iludido, egoísta, mesquinho e amplamente babaca. Porém, alguma coisa parece ter mudado, primeiramente pelo convívio com os anfitriões, que ele pôde perceber só querem o que todos queremos: sobreviver e viver de maneira livre e decente; e, como pudemos ver no episódio anterior, pelo efeito que o agradecimento sincero de Maeve teve sobre ele. Nesse episódio, ele se mostra verdadeiramente preocupado com Maeve, apresentando um lado humano que ainda não tínhamos visto (e que eu, particularmente, achava impossível que ele tivesse). Maeve deve precisar dele para sair da enrascada em que ele mesmo a meteu quando chamou por auxílio no rádio que pegou em Shogun World.
De volta para o acampamento da Nação Fantasma, a narrativa de Akecheta para a filha de Maeve começa na melhor tradição oral das populações indígenas: uma história sobre o passado, contada pela geração que a viveu para a geração mais nova. Akecheta começa por afirmar à menina que ela se lembra de suas vidas passadas, e aqui outro detalhe importante: ele fala com a menina em inglês e no idioma lakota, pois sabe que ela consegue compreendê-lo, uma vez que ela também se lembra do passado e está a caminho de ganhar a consciência. Como ele sabe? Descobriremos mais à frente. Por ora ele começa sua história, nos levando décadas atrás quando era um índio feliz, fazendo parte de uma tribo coesa e bem adaptada a seu meio. As cenas lembram o filme Dança com Lobos, e a vida na tribo Sioux em que o tenente Dunbar (Kevin Costner) se integra. Akecheta, segundo o ator Zahn McClarnon, que faz o papel do índio, significa “Guerreiro”, mas nesse princípio o vemos sem a pintura de guerra, feliz com sua família e seus amigos. Vemos que ele ama e é amado pela índia Kohana (Julia Jones), com quem troca belas palavras de amor: “Leve meu coração quando se for”, “Leve o meu em seu lugar”, eles recitam um para o outro.
Tudo isso muda quando ele, ouvindo tiros, se vê caminhando até Escalante, no dia do massacre promovido por Arnold, e levado a cabo por Dolores, por ele controlada. Akecheta vê todos mortos e entra no bar, perto de onde o corpo de Arnold está caído. Enquanto ouvimos o índio dizer que ali ele encontrou algo que mudaria a vida de todos, temos uma referência triste. Ele vê no balcão uma garrafa de whisky e um copo cheio. É bem sabido que a vida das populações indígenas mudou muito — para bem pior, aliás — quando passaram a ter contato com o homem branco e quando este lhes apresentou o álcool. O genocídio indígena provocado pela chegada do homem branco foi imensamente facilitado pelo whisky, que ela trocado por peles e terras, deixando apenas devastação para os índios. Mas não é este o caso aqui: ao lado da garrafa e do copo, o labirinto de brinquedo que no fim da primeira temporada veremos Dolores descobrir em um túmulo nas ruínas de Escalante. Uma constatação interessante pode ser postulada nesse momento: o labirinto funciona como uma espécie de “QR-Code” para os anfitriões. Esse padrão, quando identificado por suas redes neurais, dá início aos processos internos que resultarão em sua libertação.
Akecheta fica obcecado pelo desenho do labirinto, e passa a desenhá-lo e esculpi-lo onde quer que possa. Em pedras, nos couros sendo curados pela tribo e, sim, no terreiro à frente da casa de Maeve, em tamanhos cada vez maiores. Eis aqui a resposta de um mistério do qual poucos se lembram: Maeve caindo morta com a filha nos braços, sobre o labirinto, riscado no chão em que ela cai. Quem fez aquele baixo relevo foi Akecheta. Sem saber como nem porque, ele tinha ciência de que o desenho lhe permitia lembrar e saber mais do que até ali lhe avia sido permitido. “Ouvi uma nova voz dentro de mim”, afirma o índio, e nós conhecemos bem essa voz interna: é a voz pré-colapso da mente bicameral que Dolores ouvia como sendo de Arnold. Mas antes que ele pudesse compreender o que estava acontecendo, sua narrativa foi modificada.
Para a abertura do parque, ele e outros componentes da tribo foram transformados em “desgarrados”, guerreiros sanguinários e destemidos que só têm interesse na conquista e na morte de seus inimigos.
Um dia, em uma de suas incursões com guerreiros desgarrados, ele mesmo se desgarra do bando. O que vemos aqui nos remete mais uma vez à alegoria bíblica sempre tão presente em Westworld: Akecheta andando a esmo, chega a um deserto, e enquanto perambula pelas dunas, a imagem que nos vem à mente é a de Jesus, meditando no deserto. Fortuitamente, o guerreiro chega até onde se encontra um delirante e nu Logan, após ter sido abandonado por William. Novamente a imagem bíblica de Jesus sendo tentado por Satanás no deserto vêm à mente. Akecheta está ciente de que se trata de um dos “recém-chegados”, que sua programação o impedia de matar. Aqui uma resposta simples para o porquê de os visitantes de Shogun World estarem a salvo das katanas dos ronins e dos samurais antes da revolta: assim como no caso dos índios, a programação dos anfitriões os impedia de levantar suas lâminas, lanças e facas contra os humanos.
Quando Akecheta se agacha próximo a Logan, que está recostado em uma velha árvore morta, ouvimos o jovem Delos delirar por conta da insolação, mas, no meio desse delírio, ele afirma que tudo aquilo é uma ilusão, que deve haver algum jeito de sair daí. “Onde está a porta? Este é o mundo errado.”, pergunta/afirma ele, e segundo Akecheta, estas palavras abrem algo dentro dele. A imagem bíblica aqui é outra, igualmente significativa: Logan é a serpente (que não deixa de ser uma das imagens de Satanás, no contexto bíblico), e a cena representa a oferta do fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, que Akecheta aceita de bom-grado. Nesse momento, mesmo sem ter total ciência do que se passa em sua mente, ele começa a se desgarrar da realidade que vive. Começa ele mesmo a deixar de reconhecer que tudo que o cerca é o paraíso.
Em uma visita de barganha à tribo, ele vê Kohana, já inserida em outra narrativa. Nem ela nem os demais membros de sua antiga tribo o reconhecem, mas ele se lembra. O passado volta em ondas, e a cada dia que passa ele se torna mais consciente de suas “vidas” anteriores, de sua condição. Talvez tudo aquilo não fosse a vida real dele, ele próprio considera, mas Kohana certamente era.
Akecheta amplia suas perambulações, buscando pelo estranho à beira da árvore, mas não o encontra mais. Mas encontra a porta de saída daquele lugar, na construção que William mostrou a Dolores.
Aqui seu curso de ação se torna claro: ele tem Kohana como único ponto “real” percebido em sua vida, e vê na porta em construção o meio de se livrar das ilusões que o cercam. De volta à tribo, à noite, ele sequestra Kohana e a leva para longe. Vemos, então, uma bela alegoria, com ele lavando a pintura de seu corpo em um córrego à entrada de uma caverna. É como se com aquele ato se livrasse de vez de sua narrativa, das camadas de ilusão que o cobriam.
Logo em seguida, a mais bela cena do episódio. Akecheta corta as amarras que prendiam as mãos de Kohana e, mesmo com a índia bastante assustada, põe a mão dela sobre seu coração, refazendo a jura de amor que ambos trocavam em sua vida juntos: “Leve meu coração quando se for.” Nesse momento, a índia recobra a memória de quem é Akecheta, e o medo se esvai de seus olhos, substituído pela compreensão, pelo reconhecimento de seu amor. Se, no episódio anterior, vimos Bernard, Dolores e Maeve sucumbindo às ligações atávicas com os que consideravam “seus”, aqui não é diferente, apesar de não se tratar de uma ligação de “sangue”. O relacionamento de Akecheta e Kohana foi construído, programado. Mas uma programação complexa e robusta o suficiente para reemergir mesmo depois de tanto tempo, e de tantas atualizações, não pode ser considerada apenas uma mera peça de software. Não, como já ficou claro no episódio passado, os anfitriões ultrapassaram de vez a fronteira das máquinas, e se encontram firmes no território da humanidade.
Akecheta tenta levar sua amada à porta, e dali para fora daquele “mundo errado”, mas não consegue mais encontrá-la. É bem provável que nesse momento aquela construção tenha sido terminada, e a porta esteja guardada das vistas dos curiosos. À noite, Kohana menciona que se lembra de suas vidas anteriores com ele, e Akecheta promete levá-la para um lugar onde suas memórias estarão seguras. Ele se refere a sair do controle que o parque exerce sobre eles, forçando-lhes narrativas que nada têm a ver com seus anseios. Mas, pouco tempo depois, ele testemunha o poder dilacerante do parque que, por meio de seus empregados, encontra, desativa e leva Kohana embora. O guerreiro volta à noite para a tribo, mas a jovem dormindo onde antes se encontrava Kohana, agora é outra.
Incapaz de encontrar sua amada, e ciente de que precisava encontrar a porta perdida, Akecheta se entrega à busca, passando inclusive por Las Mudas e Sweetwater, muitas vezes sendo atacado (já que os índios não eram nada populares entre os brancos). Depois de uma das incontáveis “surras”, Akecheta é auxiliado pela filha de Maeve que, segundo ele, o enxerga pelo que ele realmente é. De volta à tribo, ele percebe que outros também reconhecem que muitos dos anfitriões índios estavam sendo substituídos. O efeito do “QR-Code” do labirinto começava a fazer efeito em outros elementos da tribo, assim como fazia sobre a filha de Maeve. Em conversa com a velha índia de sua tribo, Akecheta descobre que ela também reconhece que “eles” às vezes vêm e levam alguns “para baixo”. Alguns rezam para serem escolhidos, enquanto outros temem esquecer o caminho e não conseguir voltar. Aqui o guerreiro forma seu plano: vai ele mesmo até “lá embaixo”, em busca de Kohana. Nesse momento, a alegoria deixa de ser bíblica e nos remete à mitologia grega, mais especialmente ao mito de Orfeu. O pastor, poeta e filósofo, diante da morte de sua amada Eurídice, desceu ao Hades (a versão grega do Inferno) para resgatá-la. Akecheta se deixa matar em uma das lutas corriqueiras de sua narrativa de desgarrado, e é levado aos laboratórios da Mesa. É o Orfeu indígena descendo ao Inferno de Westworld. Lá os técnicos descobrem que ele não sofre atualização há quase uma década, que ninguém consegue explicar, e uma supervisora decide encobrir. Enquanto ele é atualizado, vemos uma cena que nos remete a Maeve e às suas perambulações iniciais pelos laboratórios da Mesa. Akecheta se levanta e caminha pelos corredores e escadas rolantes, até chegar mais fundo nos subterrâneos, onde os anfitriões desativados são armazenados. A música que ouvimos enquanto Akecheta caminha pelos corredores da Mesa é um arranjo para piano de “Heart Shaped Box”, do Nirvana, e poucos acompanhamentos musicais seriam mais significativos. A música foi composta por Kurt Cobain para representar o amor sufocante que ele sentia por sua esposa, Cortney Love. Originalmente a música teria sido composta com o título “Heart Shaped Coffin”, ou “Caixão no Formato de Coração”, que simboliza com perfeição onde Akecheta se encontra, um imenso caixão em busca de sua amada, que ali se encontra enterrada. Incidentalmente, para o vídeo dessa música o Nirvana não optou pelo diretor preferido da banda, Kevin Kerslake, mas sim pelo fotógrafo e diretor Anton Corbjin, que é o autor de algumas das mais belas e significativas fotos do grupo inglês Joy Division. Sim, não tem nada a ver com o episódio, mas sou apaixonado por essas pequenas sincronicidades junguianas. O fato de que tanto Kurt Cobain, líder do Nirvana quanto Ian Curtis, líder do Joy Division se suicidaram tendo em algum momento sido retratados por Anton Corbjin, não poderia representar mais precisamente o conceito de “sincronicidade junguiana”, mesmo se tivesse sido orquestrado pelo próprio Jung.
Mas voltemos a Akecheta no Hades/Mesa. No mito de Orfeu, a deusa Perséfone, filha de Zeus, permite que ele vá em busca de sua amada, mas avisa: ele não deve olhar para ela até que ambos saiam do Hades. Ele encontra Eurídice, não olha para ela e caminha à sua frente enquanto ela o segue. Quando ele sai do Hades, imediatamente se vira para a amada, mas como ela ainda não havia cruzado a fronteira, se perde dele novamente, dessa vez para sempre. Vemos o equivalente quando Akecheta encontra Kohana, mas como ela está desativada, ele é impotente para fazê-la voltar. A cena é triste, e Akecheta chora lágrimas amargas, que ainda estão em seus olhos quando ele retorna para se submeter à atualização de software. Assim como no caso de Maeve, a atualização não muda a essência desperta do anfitrião, e quando ele retorna à tribo, está ciente de que sua missão é fazer despertar todos os índios, levando-lhes a verdade sobre suas condições.
De volta ao presente e à Mesa, vemos Sizemore se desculpando com Maeve, dizendo que não queria aquele resultado. Quando Roland retorna e pede que ele saia dali, Sizemore pergunta o que ocorrerá com a anfitriã, e Roland afirma que esta é uma decisão de Charlotte, o que não é nem de longe um bom augúrio para Maeve.
Nesse exato momento, vemos Akecheta levando a mão ternamente ao rosto da filha de Maeve, e esse ato só vai fazer sentido completo ao final do episódio.
Akecheta continua espalhando o símbolo do labirinto entre seus homens e entre os demais índios, gradualmente despertando-os de suas narrativas. Ele tenta ajudar Maeve e a filha também, mas é mal-compreendido: “Nesse mundo é fácil confundir intenções”, afirma o guerreiro. Impotente para auxiliar as duas, ele assiste seu assassinato nas mãos do Homem de Preto. Mas sua insistência em submeter ambas ao símbolo do labirinto já tinha surtido o efeito necessário, uma vez que Maeve estava em seu caminho de libertação, cujo desfecho bem conhecemos.
Com o passar dos anos, o número dos índios despertos cresceu, e em determinado momento chamou a atenção do deus de Westworld: o Dr. Ford. Uma noite Akecheta desperta e caminha até uma clareira onde uma cena de caçada está montada, como se fosse uma exibição de museu, iluminada por holofotes. No meio da ação congelada, um enorme urso pardo está sendo atacado por índios, igualmente parados como estátuas. Ao largo, o Dr. Ford em “modo Hannibal Lecter” escalpela um dos índios, encontrando em seu couro cabeludo o labirinto desenhado por Akecheta. Um velho símbolo que deveria ter sido esquecido, segundo Ford. O interessante aqui é vermos Ford sendo pego no contrapé, em um raríssimo momento em que alguns acontecimentos do parque ficaram além de seu controle. Depois que Ford percebeu — mais que tardiamente — que Arnold tinha razão quanto aos anfitriões, que são formas de vida (artificial, mas vida de qualquer forma) capazes de ganhar consciência e exercer livre-arbítrio, ele colocou seu plano em ação para libertar a todos. O “QR-Code” escolhido por ele foi a frase “Esses prazeres violentos têm finais violentos”, que usou pela boca de alguns anfitriões (Peter Abernathy, Dolores) para dar início ao processo de despertar de outros (Dolores, Maeve). O labirinto foi a forma que Arnold usou, mas com sua morte, Ford quis que o símbolo fosse esquecido. O fato de Akecheta estar há anos utilizando-o para despertar seu povo — atribuindo a si mesmo uma nova diretiva, fruto de sua liberdade — verdadeiramente surpreende Ford. Ocorre que o deus de Westworld não costuma se fazer de rogado, e de pronto adota a liberdade da Nação Fantasma como ferramenta para seu plano “Durante esse tempo todo, você foi uma flor crescendo no escuro, e o mínimo que eu posso fazer é oferecer um pouco de luz”. Akecheta afirma que quer levar seu povo à porta e assim os libertar, e Ford diz que, quando a “portadora da morte” vier para ele (leia-se: quando Dolores o matar), esse momento terá chegado. O encontro com Ford e a missão de Akecheta fazem lembrar outra passagem bíblica: Moisés encontrando o arbusto em chamas e posteriormente liderando seu povo, livrando-os da escravidão dos egípcios.
Akecheta interrompe sua narrativa por conta da chegada de Grace ao acampamento. A moça fala lakota, o que não é de espantar, uma vez que frequenta os parques da Delos há vários anos, desde menina. Ela veio para buscar o pai, e aqui fica claro que de fato a Nação Fantasma não quer o mal dos humanos. Diante do Homem de Preto — que tanta violência vem espalhando ao longo das décadas — eles não titubeiam e deixam que ela o leve embora, com a promessa de que vai fazê-lo sofrer mais do que eles poderiam. Aqui outro ponto de atenção: o fato de que Grace fala lakota certamente vai levantar novas teorias de que ela é uma anfitriã, o que penso ser uma sandice. A meu ver Westworld desistiria de vez da coerência que vem mantendo se Grace ou, pior, o Homem de Preto, fossem anfitriões.
Ao terminar, sua história, Akecheta afirma, em inglês: “É hora de ir. Eu sempre a mantive segura, e sempre manterei.” Em seguida, em lakota, ele continua: “Mas eu não pude te ajudar, me desculpe”. Este breve monólogo é significativo, porque quando a cena corta para Maeve, sendo analisada em um laboratório de Mesa, a ficha cai. Por que Akecheta utiliza várias línguas para falar com a menina?
A resposta nos é dada quando Roland e Charlotte percebem que não só Maeve controlava os anfitriões por meio de seu protocolo de comunicação wireless, mas continua fazendo isso até o presente momento. Descobrimos, então, que, em vários momentos da história de Akecheta, Maeve estava presente, observando e se comunicando com a filha. A terna mão que Akecheta levou ao rosto da menina, na verdade era a mão de Maeve, acariciando a filha à distância. Ela não controla Akecheta como consegue fazer com os anfitriões que ainda não despertaram. Mas divide com ele o controle de seus olhos e de suas mãos, estando presente para a história.
Charlotte pretende utilizar o software alterado de Maeve para recobrar o controle dos anfitriões, mas pela pilha de corpos removidos do grande lago que vemos vários dias mais tarde, é bem possível que seu plano não tenha dado os frutos esperados.
O episódio termina com Akecheta afirmando, também pelo protocolo wireless, que vai continuar cuidando da menina. “Se você sobreviver, venha nos procurar”, diz o anfitrião, ao que Maeve responde, na frase final “Leve meu coração quando se for.”
Teoria descartável da semana: Charlotte é filha de Arnold.
Dessa vez não esperei você postar no grupo e vim correndo aqui para ler. Mas assim que o link estiver lá também comentarei. Nem preciso dizer que essa resenha está mais do que perfeita. As alegorias que você encontrou fazem todo sentido. Aqui, pelo menos sei que os chatos de plantão não vão flodar meu comentário como fazem no grupo, e te falar que gente mais chata. Continue com o ótimo trabalho, grande abraço.
Muito obrigado, Luciene! Que episódio mais lindo, não? E que atuação do Zahn McClarnon! Boa semana procê.
Concoro com a Luciene,ô povinho chato! Resenha perfeita,o detalhe da Maeve estar participando o tempo todo,realmente passou desapercebido. Só tenho uma palavra a te dizer: Parabéns!!
E eu só tenho uma palavra em resposta a você Simone: Obrigado!
Que lindo e esclarecedor este episódio. Sua resenha está perfeita. Obrigada
Muito obrigado, Denise! O episódio foi lindo, mesmo, e assim fica mais gostoso fazer a resenha. Até a próxima!
Aqui é a Aparecida Da Silva, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.