Proponho refletirmos um pouco sobre a polêmica despertada pela performance do artista Wagner Schwartz no Museu de Arte Moderna (MAM) no Ibirapuera (Zona Sul de São Paulo) durante estreia do 35º. Panorama de Arte Brasileira (tradicional exposição bienal que aborda a arte). Leia-se no Estadão de 29 set 2017:
A participação de uma criança em uma performance protagonizada por um homem nu deu início a nova polêmica sobre a liberdade artística nas redes sociais, desde a noite desta quinta-feira, 28. Fotos e vídeos registrados no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) mostram uma menina, que aparenta ter em torno de cinco anos, tocando os pés de um artista nu que estava imóvel e deitado sobre o chão.
A criança parece mostrar curiosidade enquanto engatinha pelo tatame, vendo uma mulher adulta tocar os pés do artista. A mulher a incentiva a participar, a menina ri, toca rapidamente os dedos dos pés dele, e volta à plateia diante de sorrisos do público.
Em nota divulgada no Facebook, o MAM ressalta que a criança estava acompanhada da mãe e que a sala onde ocorria a performance estava “devidamente sinalizada sobre o teor da apresentação, incluindo a nudez artística”. O museu também garante que o trabalho, intitulado “La Bête”, não tem qualquer conteúdo erótico. (Fonte: O Estado de S. Paulo)
As reações foram as mais diversas, desde aquelas contra à mostra artística (“Isso é Pedofilia!”; “Trata-se de uma séria desobediência ao Estatuto da Criança e do Adolescente!”) até aquelas que veem tudo isso como um exagero (“Não vejo razão para tal histeria coletiva.”). Algumas figuras públicas se manifestaram: Prof. Mário Sergio Cortela; Prof. Leandro Karnal; Prefeito de São Paulo João Dória; dentre outros. Afinal, quem está com a razão? Qual é a verdade a preponderar diante do acontecido? Suspender a exposição? Quebrar o patrimônio dos responsáveis pelo evento? Tirar a própria roupa e fazer manifestação ao redor do MAM? Levar uma sunga para o artista Schwartz? Você já deve imaginar que não é por aí que vou encaminhar minhas reflexões, certo? Minha intenção é focar em alguns aspectos bem mais abstratos.
Quando me deparei com a foto e com a manchete da notícia “Interação de criança com homem nu”, tive um choque inicial. Lembremos que nossas percepções são determinadas pela nossa cultura. Não achei nada natural aquela nudez naquele contexto. Um homem desnudo, deitado como morto num tatame, tinha uma menininha (vestida) tocando-lhe os pés enquanto que adultos (também vestidos), permaneciam distantes ao redor da cena, alguns com máquinas fotográficas, outros com celulares em foco. Caramba! Não tinha nada a ver! Se fosse uma foto de uma indiazinha tocando os pés de um índio deitado na terra, tendo toda uma aldeia ao redor, eu acharia bem natural, mesmo que estivessem todos nus! Mas, em nossa cultura, juntar homem nu + menininha, não é nada natural! Só mesmo a linguagem artística poderia fazer isso, pois um dos papéis da arte é instigar e provocar mentes engessadas. E foi isso que essa mostra fez: tirou-me um gesso social e levou-me a refletir seriamente sobre essa minha reação. Afinal, por que tudo isso nos agrediu tanto? Por que as imagens e as manchetes nos chocaram tanto?
Pareceu-me que o estopim da polêmica tenha sido a fórmula bombástica: erotismo + homem nu + menininha. O homem nu era o artista Schwartz em sua performance num tatame com um origami de papel. A menininha (identificada mais tarde pela mídia) seria a filha de uma artista que visitava a exposição. E o erotismo? Onde estaria? Em nossas cabeças, ué! Como já falei, em um de meus textos aqui (O “x” da questão), nossa cultura vê erotismo em tudo! Aliás, estou certa de que uma foto de uma indiazinha tocando a coxa de um cacique seria julgada como pedofilia indígena! E também aposto que nenhum de nós pensaria que ela poderia estar apenas retirando um carrapato da perna de seu pai.
Nessa toada, ao ver uma mulher incentivando sua filhinha de 5 anos a tocar em um homem nu, logo pensamos em lhe tirar todos os direitos maternos e trancafiá-la em prisão perpétua. Nem por um segundo teria passado, em nossas cabeças, que a criança, sendo filha de artista, já estaria tão acostumada à quebra de paradigmas que tudo aquilo não teria passado de uma brincadeira com um grande boneco humano. Você acha mesmo que havia erotismo em sua cabecinha naquele momento? Eu apostaria que nem na cabeça da mãe dela! O erotismo está na cabeça de quem se apavorou com o evento.
Isso não quer dizer que eu recomendaria que todos os pais levassem suas crianças para interagirem com um homem nu. Infelizmente, nossa cultura ainda não está preparada para despir-se da prática irresponsável do erotismo. Tenho a impressão de que muitos dos pais que incriminaram a mãe daquela menininha deixam seus filhos (a partir do primeiro ano de idade) em frente à televisão que transmite novelas com cenas eróticas o dia inteiro. As propagandas usam o erotismo. Como a decisão de compra é dos pais, em uma sociedade do consumo, os apelos comerciais recaem sobre eles, o que nos leva a aceitar a erotização até na venda de produtos infantis. “É tudo tão natural, não é?” Então, por que não teria sido também natural a exposição do homem nu? Na verdade, o evento no MAM não foi natural nem comercial: foi arte! E, como muitos de nós ainda não estamos preparados para nos despir de nossos falsos puritanismos, imagine a fragilidade com que preparamos as cabecinhas de nossas crianças…
Não é natural impor erotismo a tudo e a todos o tempo todo!
Natural é criar os filhos com o costume de verem seus pais nus tomando banho, passando de um quarto para o outro sem roupa enquanto se trocam. Natural é não ter medo de responder sobre sexo quando as crianças perguntam. Natural é que as crianças, ao invés de assistirem às novelas com seus pais, estejam em alguma atividade educativa com eles. Natural é não termos que levar um choque de realidade do homem nu para começarmos a encarar nossas práticas sociais tão questionáveis.
A exposição no MAM não foi nada natural, porque tinha como intenção desnudar nossas almas!
Sem querer ser puritano, mas há muitos outros tipos de artes que com certeza as crianças merecem... Quanto a mãe dessa garotinha, cada pai/mãe orienta seu filho como acredita ser o correto, assim como também entendo que natural é tudo o que você menciona no penúltimo parágrafo da sua reflexão... Agora, desnudar a alma, passa por algo muito mais profundo e íntimo e com certeza não será este tipo de arte que desnudará a alma de ninguém!!!
Alôu, Marcio! Muito legal ter sua participação aqui no Confrariando. Como eu costumo dizer: Confrariar é Preciso! Este espaço é pra isso mesmo. Colocarmos nossas ideias, ouvirmos as dos outros e, assim, entre concordâncias e discordâncias, podemos, quem sabe, compreender melhor nossas próprias almas, não é mesmo? Gde Abraço.