Puxa, sabe o que me impressiona? Chegarmos à metade de 2017, já no último quarto da segunda década do século 21 e ainda pensarmos (não todos, ainda bem) que aquecimento global é um assunto controverso ou, pior ainda, balela. Fico impressionado com a ignorância de quem ainda defende um dos pontos de vista acima, e um tanto quanto irado, diga-se de passagem.
De uma vez por todas: o planeta está sendo aquecido para muito além dos limites do que a natureza pode suportar e esse processo é de responsabilidade de nós, seres humanos e de nossa atividade industrial dependente do consumo de combustíveis fósseis.
Não, sua opinião baseada no que você entendeu do que disse meia dúzia de pessoas que você julga serem experts no assunto não conta. Não, aquele especialista da USP que você viu falando em um programa de entrevista também não conta. Por quê? Explico. Em 2003 — mais de uma década atrás — 97% dos cientistas especializados em clima já concordavam que o aquecimento global é um problema sério, causado pelo ser humano, e com consequências drásticas em nosso futuro se não fizermos alguma coisa. Imagine que você sente uma dor constante no peito e decide consultar um cardiologista. Ele faz os exames necessários e diz que você tem que ser operado com urgência, caso contrário corre o risco de um infarto fulminante nos próximos meses. Assustado, mas cético, você decide consultar outros especialistas e pedir-lhes a opinião. Depois de consultar 100 cardiologistas — todos especializados e devidamente credenciados — o placar é o seguinte: 97 deles concordam que você tem que ser operado com urgência se quiser sobreviver, além de mudar radicalmente seus hábitos. Os 3 remanescentes dizem que está tudo bem com você, e que você pode continuar fumando seu maço de cigarro por dia e comendo sua picanha com capa de gordura, pois está tudo bem. Em quem você confiaria numa situação dessas?
Não, o aquecimento global que estamos vivendo não é fruto de um ciclo planetário, pois em que pese o nível de CO2 na atmosfera variar ciclicamente, de acordo com os dados históricos coletados, o ciclo de variação gira em torno de 120.000 anos. Por este ciclo histórico, a concentração de CO2 varia por volta de 10ppm (partes por milhão a cada 20.000 anos. No caso atual, nos últimos 100 anos, a concentração de CO2 na atmosfera cresceu 120ppm atingindo 400ppm, mais de 100ppm acima do maior valor histórico registrado, o que ocorreu aproximadamente 310.000 anos atrás. Não acredita em mim? As informações são da NASA, que disponibiliza gratuitamente os dados, incluindo o gráfico abaixo:
Ainda de acordo com a NASA, temos as seguintes (e gritantes) evidências de que o aquecimento global existe e é provocado por nós, seres humanos (a lista é parcial, pois não há espaço nesse arquivo para explicitar todos os sinais):
- Aumento do nível do mar – no último século o nível do mar aumentou em 20cm, em média, sendo que 2/3 desse aumento ocorreu nas últimas duas décadas. Esse aumento ocorre em função do derretimento das calotas polares.
- A temperatura planetária aumentou em pouco mais de 1oC nos últimos 100 anos, em função do aumento da concentração de CO2 apresentada anteriormente.
- Entre o ano 20.000a.C. (fim da última glaciação) até o ano de 1900, a temperatura variou positivamente em 4oC, uma média de 0,00018 oC por ano. Nesse período, não houve variação de temperatura que chegasse a duas casas depois da vírgula (variações sempre abaixo de 1 milésimo de grau centígrado por ano). De 1900 até os dias de hoje a temperatura variou em 1oC, uma média de 0,0085oC por ano, ou seja, uma média anual quase 47 vezes maior que nos 21.900 anos anteriores.
Ah, e aquele consenso de 97% dos cientistas em 2003 só fez aumentar nesses últimos 14 anos, o que nos coloca em quase 100% de consenso. Ainda segundo a NASA, são várias as organizações de estudo e monitoração climática que concordam que o fenômeno do aquecimento global existe, é produto do ser humano e é gravíssimo.
Não, sua crença e/ou sua opinião não tem peso algum diante dos fatos, além de não ser baseada em fato científico. Nesse ponto, se você professa que não acredita no aquecimento global ou atribui esse aquecimento a algum fenômeno natural ou a algum ciclo planetário, você se encaixa em uma das categorias abaixo:
- Você é ignorante – Esse é o caso mais fácil de se resolver: informe-se. Procure fontes fidedignas de informação (o site da NASA é um excelente local para se começar, uma vez que é isento, totalmente baseado em fatos, e não defende interesse político de ninguém). E se você mantém sua opinião com base em um estudo em detrimento dos milhares estudos contrários que existem, você se comporta como aquele fumante da década de 70 que acreditava nos “estudos” patrocinados pela indústria do cigarro que afirmavam que o cigarro não causa câncer.
- Você é parcial por interesse político – Aqui a coisa complica: porque seu político de estimação defende que esse negócio de aquecimento global é balela, você adota a mesma opinião. Saiba que ele não tem o seu interesse em mente, e que não se preocupa em destruir o clima porque se serve de favores dos grandes grupos industriais, tendo dinheiro suficiente para evitar para si os efeitos, enquanto você e seus descendentes (já seus filhos, netos) ficarão relegados a sofrer as consequências.
- Você é parcial por interesse econômico – Está disposto a sacrificar o planeta por seus lucros. Não há o que eu possa fazer em seu caso, mas saiba que você me dá vontade de acreditar no inferno católico, já que há poucas chances de você arcar com as consequências de sua insânia enquanto estiver vivo.
- Você é um troll e defende o indefensável porque acha engraçado. Você não é inocente, e essa não é uma brincadeira inocente. Você é parte do problema e deveria largar a mão de ser imbecil.
O resultado de não fazermos nada — e essa inação por parte das autoridades se alicerça sobre a “controvérsia” sobre o aquecimento global — é triste, e já pode ser visto em cores mais vivas e resultados mais desastrosos. O fotógrafo James Balog, alguns anos atrás, filmou o colapso de uma geleira na Groenlândia. Em poucos minutos uma área de gelo equivalente a metade da ilha de Manhattan esvaiu-se para o mar. As imagens são impressionantes, para dizer o mínimo:
Hoje em dia apenas industriais cujas empresas geram grandes quantidades de CO2 ou magnatas do petróleo têm motivos para defender a opinião insana de que não devemos fazer nada para evitar o aquecimento global. O resto de nós tem todos os motivos para eliminar esse problema, mesmo diante da possibilidade de redução da atividade econômica. Nenhum crescimento econômico justifica a calamidade que estamos construindo para nosso futuro, até porque essa calamidade virá acompanhada da maior crise econômica da História da Humanidade. Ou você acha que a imersão das cidades costeiras do mundo inteiro vai sair barato para os países e para o mundo?
Não é possível ou mesmo sensato negarmos o aquecimento global. Não é possível ou sensato ignorarmos que somos nós mesmos os responsáveis. E não é possível nos sentarmos em nossa zona de conforto, fazendo que não é com a gente.
Não, de uma vez por todas, não.
Pingback:Chega de atraso | Confrariando
[…] primeiro deles foi tratado em meu texto recente sobre o Aquecimento Global. É impressionante como um assunto que deveria ser tratado de forma científica ainda é tão […]
Adorei o texto, porque vai direto às consequências em se viver em um faz de conta em que nada está acontecendo. Está acontecendo e precisamos saber de nossas responsabilidades.
Obrigado pelo carinho, Claudia!