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12/04/2018  |  By Guilherme Nicesio In Crônica, Literatura

Círculos

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Dia desses, meu pai me pediu informações sobre um serviço de assinatura de livros, que ele viu em meu próprio perfil de uma certa rede social, que recentemente se envolveu em escândalos de manipulação de dados e de divulgação de fake news (o que não é o assunto desse texto). Ficou curioso para saber como funcionava esse tipo de assinatura, como eram definidas as obras, como se recebia etc. Imediatamente nos lembramos de outra época.

Durante minha infância, meus irmãos e eu crescemos em uma casa com leitores e livros. Meus pais acreditavam que os livros poderiam fazer parte de nossa vida. Era uma crença mesmo: na casa dos tios, no quarto dos primos, quase não havia livros. Isso porque havia na época a dificuldade de se ter acesso aos livros, de alguma forma. Mudando com certa constância, com as transferências de meu pai em seu trabalho, também era um pouco complicado morar em uma cidade que pudesse ter uma biblioteca e, quando havia, que pudesse apresentar um acervo adequado e bem conservado. Essas coisas não se encontravam facilmente no interior do Brasil, embora houvesse até a década de 1980 um consenso mais ou menos tácito de que a biblioteca (bem como os livros) seria uma das formas de se acessar o conhecimento. Quando voltamos a morar em Franca/SP, minha cidade natal, ainda assim as livrarias vieram tardiamente, e priorizavam a venda de livros didáticos. O resto era gibi e palavras cruzadas – o que não é necessariamente uma coisa ruim, ok? Vamos deixar isso claro.

Lembre-se: isso era o Brasil dos anos 1980, da época dos telefones fixos, dos orelhões, do LP, do Chacrinha e do Bolinha aos sábados, do Sílvio Santos no Domingo no Parque, das Diretas Já, dos cinemas funcionando fora dos shopping centers, das calças jeans Levi’s, da Fórmula 1, e do futebol de botão.

O acesso aos livros em nossa casa, portanto, foi somente possível devido ao Círculo do Livro, editora criada em 1973 por meio de uma parceria internacional entre a brasileira Abril e a alemã Bertelsmann, atualmente considerado o maior conglomerado de mídia da Europa. Em um interessante texto sobre o Círculo, o historiador e escritor Roney Cytrynowicz comenta que a editora proporcionou a venda de 5 milhões de exemplares de seus títulos somente em 1982, e chegou a contar em seu auge com 800 mil associados em 1983, distribuídos entre 2.850 municípios brasileiros.

Os catálogos das obras, com as novidades, eram enviados periodicamente, com uma variedade de títulos, de autores e de gêneros temáticos, embora houvesse uma predominância de romances: best-sellers internacionais, obras clássicas universais, um amplo catálogo de literatura infantojuvenil, livros de receitas, enciclopédias, dicionários etc. Mas também havia muitos livros de poesia e de prosa de autores brasileiros, que proporcionavam a nós um deleite. Outra regra era possibilidade de escolha e entrega de somente duas obras por mês. Isso causava um evento em casa, em torno das duas únicas escolhas que podíamos fazer. Assim, todo o mês pingava um livro diferente em casa. São livros que me acompanharam desde a infância, durante a adolescência e, depois, a universidade, e alguns estão comigo até hoje: Dom Quixote, de Cervantes, na tradução de Castilho e Azevedo, com ilustrações de Gustave Doré, foi uma das leituras obrigatórias em meu primeiro ano de graduação.

Outra característica importante: como se tratava de clube, em que uma pessoa somente poderia participar se fosse indicado por um sócio, isso imprimia uma relação de exclusividade em relação aos livros que se comprava por meio de uma livraria comum. E não podemos negar que o aspecto da exclusividade – portanto, da distinção – é algo que sempre esteve presente no imaginário do brasileiro. Saber-se membro de um clube de leitura e de livros mais exclusivo, com obras publicadas com um projeto editorial muito bem acabado, e por um preço relativamente acessível para os padrões da época.

Os livros eram entregues pelos Correios, dos quais a gente dependia muito, mas que só entregavam aquilo que cabia nas mãos dos carteiros. Isso ajuda a atestar como eram as coisas naquele período, em que morar fora de grandes centros exigia depender dessas estruturas e instituições cuja existência está sendo questionada atualmente, devido às novas tecnologias de comunicação e informação – e as consequências que provém de seu uso. Mas o Círculo do Livro também oferecia os livros de seu catálogo por meio de mais de dois mil vendedores próprios, que corriam os lares brasileiros de porta em porta, com os principais exemplares em mãos.

A partir do fim da década de 1980, o Círculo do Livro passou a perder seu mercado, com um considerável abandono dos sócios, e a saída da Bertelsmann da parceria precipitou o encerramento das operações em 2000. O parque gráfico continuou ativo, sendo incorporado ao restante do Grupo Abril. Em uma conversa informal com o confrade Ruy, ele compartilhou uma hipótese para explicar o fim da editora, que havia sido um grande sucesso nas décadas anteriores: o advento do aparelho de videocassete e do mercado de vídeo locadoras no Brasil, seguida da chegada dos computadores pessoais mais baratos no mercado a partir de meados de 1990. Ou seja, grande parte do investimento das famílias brasileiras com condições para tanto se moveu da compra de livros para a aquisição de tecnologias. Não é à toa que o cinema – como entretenimento, e não como local – se estabelece como uma grande referência cultural, o que difere também das atuais, em que a predileção pelo acesso a conteúdo por meio da internet é a regra.

Pois bem, a mesma internet proporcionou também outro fato interessante ligado à leitura: as pessoas puderam se encontrar virtualmente para discutir suas preferências, expor teoria e conjecturas, ampliar seu acesso a obras de outros países e culturas. Por outro lado, isso também colaborou para que os clubes de leitura fossem aos poucos relegados a uma importância menor. Perde-se com isso uma peculiaridade interessante desses tipos de organização: também havia uma função social em encontros e clubes de leitura, que está sendo redesenhada com a nova cultura digital. Serão necessários muitos anos para compreendermos os efeitos disso em nossas vidas.

Esses círculos de meios de acesso e de preferências e de crenças e de lugares e de lembranças se tornaram fatos que aos poucos vão nos aproximando de algumas coisas e pessoas, e nos distanciando de outras. Foi um livro que me acordou — ou me ofereceu um escape, como queira — para o que havia além do que vivia naquele momento de minha infância. Ao mesmo tempo, marcou também aquelas mesmas lembranças e o sentido de ausência de tudo o que ficou para trás depois disso. Faz parte da vida.

 

P.S.: A ideia dos círculos não é minha, mas da escritora turca Elif Shafak, que trata disso em um belo depoimento no TedTalks.

______

Atualização 12/04/2018:

Outras iniciativas relacionadas a clubes de leitura e serviços de assinatura de livros têm surgido para atender a outros segmentos. Exemplos dissos são os clubes de leitura de livros na área de negócios e gestão inclusive em ambientes de trabalho, na reportagem de hoje do Valor Econômico, e o site Leiturinha, que oferece as obras infantojuvenis juntamente com um kit. Então, como se pode perceber, as possibilidades ainda são muitas.

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Círculo do Livro Dom Quixote Elif Shafak hábitos de leitura leitura literatura Tag Experiências Literárias

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Comments: 1 reply added

  1. Customwrittenessays 14/04/2018 Responder

    Obrigado pela sugestão.custom written essays

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