A chuva aperta o passo enquanto caminho pelas ruas geladas e desconhecidas. Outro país, outra vida, tudo diferente, mas os sentimentos que moram em mim continuam os mesmos e, vez ou outra, se tornam obsessivamente mais fortes e truculentos. Tudo isso para dizer que a saudade me doí o peito.
O choque cultural é transformado em diversão, afinal, e gargalho a cada palavra francesa que não compreendo. Arrisco sobreviver com o inglês. Os mais velhos me ignoram, sou salva pelos mais jovens de boa vontade. Nesses dias de sobrevivência, concluo que a mímica é, na verdade, a linguagem universal. Sempre gostei de não entender, justamente por ser desafiador. Talvez venha daí a raiz de minha natureza de buscadora. Vai saber…
Comer no café vira aventura, em especial quando peço um item e vem muitos outros completamente diferentes do que tentei pedir. Sorrio, solto meu fabuloso merci e como tudo, que não sou besta.
Entro no mercado apenas para comprar sabonete e creme para o cabelo. Coloco os produtos na sacola ao som de uma frase em francês, com uma sonoridade bonita, vinda do senhor do caixa. Acho estranho, ele repete muitas vezes, o volume começa aumentar, e apenas sorrio sem entender. Ao me despedir, acenando com as mãos, claro, vejo esse senhor pular o balcão do caixa, feito um ninja de filme de fim de tarde. Ele toma a sacola plástica de minhas mãos, retira e devolve os produtos e me manda ir embora, aos berros. Eu nem falo francês, mas não foi difícil de entender que era para eu ir embora. O mercado todo para e me olha. Fico bem sem graça e dessa vez, um nervoso todo traiçoeiro sobe pelo meu corpo e explode numa gargalhada sem fim e sem noção. Fico feliz por meu corpo ter escolhido o riso ao invés das lágrimas, apesar de ter deixado o ninja idoso numa cor púrpura bem engraçada.
Caminho pela rua, com os produtos na mão, chorando de rir, mas no fundo querendo chorar de solidão. Que diabos achei de escolher justo esse lugar para viajar? Bonito, mas estranho. Ouço uma voz masculina gritar “Chica!” e espero para averiguar se seria comigo. Um espanhol, muy hermoso, que presenciou toda a cena, resolve me explicar que eu deveria ter pago pela sacola. Entro num estado de choque por vergonha pura e crua. Faço abdominais instantâneos num gargalhar sem controle, num desenfrear de lágrimas sem igual. Já não sabia se chorava, se sorria, se estava triste e perdida ou se feliz por saber falar espanhol e por achar, finalmente, alguém com quem dialogar de fato. Si, hablo muy bien español!
O rapaz sorria, desconcertado, esperando eu me acalmar. Quando consegui voltar à vida, respirei profundamente, me desculpei, e agradeci pela gentileza dele existir. Deixei claro o quanto sua boa vontade em me explicar havia me trazido de alegria naqueles dias de grande aprendizado, mas de profunda estranheza no sentido mais amplo da palavra.
Ele sorriu, disse que eu não estava mais sozinha. Resolvemos jantar juntos naquela noite para que ele pudesse contar de sua experiência a respeito. Ganhei companhia até o hostel onde estava hospedada, para o jantar daquele dia, bem como para todos os outros dias de minha vida. Hoje temos dois filhos, moramos em Barcelona, bem felizes ao som cotidiano do nosso encantador espanhol. Do choque cultural para o choque da vida. Do choque de vida para a realidade chocante de um grande e leve amor. Nada é por acaso. Viva a França que nos uniu!
Olá! É tua essa história ou ficção? Sem reflexões, por enquanto, só a curiosidade. kkkkkk
Olá, Jaylei! Ficção!kkk Real aí somente o choque cultural que tive na França, que foi uma experiência muito rica, e o senhor do caixa do mercado gritando comigo por conta de sacolas plásticas!kkk
Essa semana fui na USP fazer minha matricula numa disciplina como aluna especial e passei em frente a entrada do CRUSP (alojamento) que dá pra rua, tinha um mendigo (com colchão de casal e sacolas de roupas) deitadão lá na entrada do prédio, super de boa, 2 guardinhas passaram a pé do lado e nem tchum. Tipo, o mendigo ta morando mesmo dentro do campus (!)