Tenho me deliciado com a explosão de empatia entre humanos e animais. Sou daquelas que adoram vídeos de gatos interagindo amistosamente com cachorros; com ratos; com codornas; com cavalos; com peixes. Incluo também aqueles vídeos de cães que balançam carinhosamente berços de bebês humanos; de pessoas que aguardam, de braços abertos, um ganso que corre ansioso para um abraço. Parece até aquela alegoria do Paraíso Bíblico em que todas as criaturas do mundo vivem em plena harmonia. São minutos de uma fantasia deliciosa em minha cabeça.
Não sei se é uma espécie de moda, ou se é uma tendência, mas essa recente “descoberta” (por parte de alguns de nós) do grande potencial afetivo que pode ser nutrido com as criaturas que chamamos de animais, tem me levado a refletir bastante a respeito. Muitos ainda criticam aqueles que se dedicam mais aos pets do que aos familiares. Mais chocante ainda pode nos parecer a frase que diz: “Quanto mais conheço os humanos, mais gosto dos animais.” E, aqueles que, ao invés de adotarem uma criança abandonada, adotam cinco gatos? Sem falar das pessoas que chegam a pagar mais de R$ 3.000,00 por um cão de raça. Na verdade, eu contesto todos esses pensamentos julgadores e limitantes. Eu acho que a relação afetiva entre humanos e animais deve ser analisada de forma bem mais cuidadosa e respeitosa. E, acima de tudo, sem preconceitos.
É claro que acho importantíssimo cuidarmos da saúde de nossas relações familiares. Também considero que a rejeição de humano para humano aponta para alguma grave dificuldade psicossocial que deve ser tratada. Gastar R$ 3.000,00 na compra de animais resultantes de seleção genética pode parecer um exagero – até porque valeria mais a pena investir esse montante para tirar animais da rua – só que, ao mesmo tempo, entendo essa atitude como uma tentativa de possuir uma perfeição idealizada (algo que não é praticado apenas pelos amantes de pets, mas também por colecionadores, por alguns artistas e por pacientes de cirurgiões plásticos, por exemplo…). Quanto a trocar pets por crianças abandonadas, acho um absurdo! Seria tentar uma comparação absolutamente impraticável! Crianças abandonadas não são objetos para satisfazer carências humanas. Adotar crianças para uma autorrealização é uma decisão bastante nociva: para quem adota e para o adotado. O futuro de crianças abandonadas exige uma clareza de consciência muito mais séria do que aquela presente na relação entre humanos e pets. Trata-se de uma questão estrutural que merece total atenção do poder público, altos investimentos em educação e muita, muita responsabilidade social. Não, não é minha proposta entrar nessa seara. Não agora.
Quero confabular a respeito dos ganhos que a relação homem e animal pode gerar. Eu começaria pensando na origem da palavra animal: do termo latino animalis, que, por sua vez, origina-se de anima que significa, dentre outras coisas, sopro de vida. Daí, fica fácil compreender como a palavra anima tornou-se sinônimo de alma.
Algumas filosofias apresentam o ser humano como a criatura que acolhe, dentro de si, os três reinos: o mineral (representado pelo nosso corpo físico), o vegetal (representado pela nossa vitalidade) e o animal (representado pelas nossas emoções). Se assim for, podemos dizer que, nossa porção animal, sem o domínio de nossa natureza humana, reagirá sempre de forma instintiva: sede, fome, sono, sexualidade.
Não é mistério, para nenhum de nós, a dificuldade de lidarmos com nossas emoções. Elas surgem como entidades incontroláveis e superiores à nossa própria vontade. Já falei um pouco sobre isso antes aqui no Confrariando (Calma, não é um tubarão e Neurônios apaixonados). Enfrentamos desafios em nossas relações familiares, em nossas relações interpessoais, em nossa comunidade e em nossa sociedade. É como se realmente não soubéssemos lidar com nosso “animal interior”, ou seja: com nossa anima, com nossa alma.
Alguns pensadores distinguem alma de espírito. Esse seria uma espécie de fagulha divina que habitaria cada um de nós, a nossa origem. Aquela seria uma construção que fazemos, enquanto espírito acoplado a um corpo físico. A alma contemplaria nossas emoções e nossos pensamentos. Não é para menos que se torna um grande desafio lidarmos com ela e com sua própria construção, pois temos que lhe ser superiores – sermos donos de nossos pensamentos e vigilantes em nossas emoções.
Todas essas elucubrações me levam a acreditar que, ao nos relacionarmos afetuosamente com os animais, estaríamos, indiretamente, tocando nossa própria alma. Tanto que alguns estudiosos do assunto afirmam que os pets desenvolvem muitas características da personalidade de seus donos (ou tutores, como se diz hoje em dia). Talvez, conviver com um pet seja uma forma de olharmos de fora aquilo que temos dificuldade de olhar em nosso interior. Talvez, o animal possa nos ajudar a espelhar nossa anima.
Não é uma descoberta minha, pois há muitos estudos científicos que identificaram benefícios à saúde humana promovidos por esse convívio com animais. Podemos verificar em vários movimentos de voluntários que levam cães e gatos a hospitais numa tentativa de alegrar os pacientes. Esse encontro causa realmente bem-estar!
Então, ao invés de ficarmos julgando e criticando os apaixonados por bichos, devemos ter a esperança de que essa experiência nos reabilite com nossa alma. Que as pessoas com dificuldade de entrosamento consigam desenvolver sua manifestação interativa; que as pessoas com dificuldades emocionais, aprendam a lidar com seus sentimentos; que as pessoas que não conseguem conviver com seus familiares, desabrochem para a convivência entre seres humanos; que aqueles que têm muito amor a dar, percebam que podem fazê-lo, incondicionalmente, com filhos adotivos.
Conviver afetuosamente com animais? Eu recomendo!
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