Era quase meia-noite quando senti uma fisgada na perna. Horário de verão permite aproveitar mais o dia e talvez fosse somente cansaço de muitos afazeres. Nada demais. Passeando no final de semana, a mesma fisgada e a mesma indiferença. Dois dias depois, meu corpo pediu, generosamente, uma trégua e apresentou a tal “coluna travada”. Sempre achei esse termo engraçado e agora havia experimentado. Nada que um bom médico, repouso e os medicamentos corretos não resolvessem. Dentro de poucos dias, tudo voltou ao normal.
Entretanto, aqueles momentos trouxeram alguma clareza nova a respeito do significado da dor: o que realmente significa sentir dor? Precisa mesmo doer? Como criei isso em meu corpo físico? De onde veio? O que preciso aprender com isso? Será mesmo que dá aproveitar para aprender algo ou questionar isso tudo é só viagem causada por anti-inflamatórios?
Existe uma frase, atribuída até então a Carlos Drummond de Andrade, que diz “A dor é inevitável, o sofrimento é opcional”. Entre falar a respeito e senti na pele, temos um longo e significativo abismo. Há quem diga que essa frase é bobagem ou quem se irrite com a simples possibilidade do sofrimento acontecer por escolha própria. Afinal, quem em sã consciência gostaria de sofrer, não é mesmo? A resposta? De uma forma ou de outra, num momento ou outro, por motivos distintos, todos nós já gostamos um dia ou ainda gostamos de optar pelo sofrimento. De forma consciente ou inconsciente, pode mesmo acontecer. E sim, podemos liquidar com isso, mas fica para outro texto. Veja, não estou sugerindo que isso seja bacana, nem tampouco que todos somos sado-masoquistas, ok? Refiro-me, aqui, ao sofrimento encontrado e, acreditem, vivenciado de forma muito natural, na famosa zona de conforto. Isso equivale a dizer que, mesmo que não esteja legal, continuamos nesse lugar por escolha própria, aceitando tudo o que estiver ali? Sim, aceitamos. Que louco faria isso? Todos nós! E a graça reside justamente aí, em desvendar e transmutar.
Talvez seja interessante experimentar observar mais, e em silêncio, em especial nos momentos de dor. Parece loucura, e pode até ser, mas me traz uma sanidade toda sem rótulos, de um jeito ousado que me desafia e fascina. Exatamente por me desafiar, me ajuda a crescer. E é por isso que gosto tanto desse exercício puro de intensidade.
Veja, não estou dizendo que seja fácil fazer isso, nem tranquilo, nem simples, muito menos obrigatório. Apenas dizendo porque gosto e porque que é possível, certo? A dor nas costas, por exemplo, me mostrou que o medo paralisa, mas a dor que acontece pode ser transformada em combustível para zarpar da zona de conforto. Em repouso, tive tempo suficiente para avaliar como estava me cuidando, o quanto de energia e leveza estava colocando ou não em meus projetos pessoais e como poderia melhorar isso. Entenda, doeu e muito no físico, mas fiz o que poderia a respeito e precisava respeitar o tempo de recuperação do meu corpo, da própria natureza. Logo, percebi que poderia escolher o quanto sofreria com aquilo e como lidaria com o tempo “livre”. Quando precisei ir ao hospital, vesti a máscara da vítima, chorei, quis atenção, reclamei. O que ganhei com isso? Nada. Poderia ganhar rugas e quando me dei conta, resolvi parar imediatamente. Afinal, ninguém merece ganhar rugas por escolha própria também.
Como aconteceu? Pode parecer uma bobagem sem tamanho, mas não importa, lá vai: tomei o lugar de observadora de mim mesma, ou seja, fechei os olhos por um momento e me transformei em duas pessoas, a que estava sofrendo e a que estava apenas observando de forma imparcial. Foi libertador! Já explico o porquê…
Não existem verdades absolutas, mas é verdade para mim que tudo em nós funciona de forma interligada: espírito, mente e corpo. Aliás, tem um livro chamado “A linguagem do corpo”, da Cristina Cairo, que explica bem a respeito. Isso quer dizer que se algo chegou em meu corpo físico, veio de alguma forma de algum outro corpo meu. O mais interessante é que aprendi a me observar para saber de onde veio aquilo. Somatizei? O que, de onde e por qual motivo? Que benefícios, bizarros, tenho com isso?
Quando descubro, o sofrimento cessa. E aí está uma liberdade gostosa de sentir! Pode ser que a dor talvez permaneça até quando for necessário e útil de alguma forma, mas sofrer se torna inútil. Percebe? Continuei tomando os remédios, fazendo repouso até melhorar por completo. Entretanto, não mais sofri com aquilo que estava acontecendo. Fiz o que tinha de ser feito. Absorvi o aprendizado que precisei e toquei o barco.
Claro que muitos que leram até aqui poderão se queixar, dizendo que nada é tão simples, nem tão fácil assim, que tem muitos outros tipos medonhos de sofrimento que uma dor nas costas e blá, blá, blá. Balela. Óbvio que se trata apenas de um exemplo para ilustrar uma explicação. Para pensar mais profundamente sobre o assunto é necessário, antes de tudo, querer pensar. Ou não. Pode-se escolher continuar sentindo dor, sofrendo e vivendo disso. Quando não tomamos consciência, nosso inconsciente decide e vive por nós. É uma escolha, respeito todas.
Só deixo aqui um convite à reflexão, em forma de questionamentos: o quanto você é observador de você mesmo ao ponto de desvendar seus próprios mistérios internos? Você realmente se conhece? Até qual camada?
Conhecer a si mesmo talvez seja a viagem mais louca e, ao mesmo tempo, a prova mais bonita e sutil de amor próprio. No mais, costas recuperadas, vida normal, segue o baile. Autoconhecimento é para quem tem coragem, meus caros.
É isso e é só.
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