Não faz muito tempo, numa sessão, meu terapeuta perguntou-me: afinal, o que realmente te emociona? O que deixa seus olhos marejados? Enquanto a ampulheta de minha mente ficava girando, tive vontade de responder: “sei, lá: cortar cebola, cheirar fumaça de cigarro, usar colírio”. Eu acabei me surpreendendo com meu próprio sarcasmo. O fato é que fiquei sem resposta e toquei meus dias, “sem choro nem (re)vela(ção)”. Dias acelerados que pedem pressa. Mundo que gira cada vez mais veloz…
Semanas após semanas, horas seguidas sentada numa mesma posição, hipnotizada pela tela de um computador; ouvidos que não ouvem, olhos que não piscam, boca que não fala, mente que se exaure. Esse é o mundo do trabalho, não? Minha loucura finge que isso tudo é normal. Até porque não temos tempo a perder.
Foi então que, numa dessas noites, depois de um dia daqueles, flagrei-me ainda no escritório, cabeça pesada, corpo dolorido. Tenho feito o possível para garantir meu bem-estar: horas de sono, dieta saudável, pilates semanalmente. Parece não ser o suficiente. O que mais meu corpo me pede…?
Nessa noite, ainda me restavam entregas de trabalho a serem feitas. Numa medida de urgência, entrei no YouTube e digitei a palavra “paciência”. Puxa, Lenine! Até gosto de algumas de suas músicas. Cliquei:
[arve url=”https://youtu.be/9X-hhzu0riw” align=”center”]
Os primeiros acordes de seu violão, a orquestra ao fundo e o dedilhar de Cristina Braga em sua harpa me paralisaram… Eles finalmente se pronunciaram: meus olhos marejados… Parece que eu acabara de atender às súplicas de meu corpo: um pouco mais de alma!
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é o tempo que me falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara(tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
Ouvindo o arranjo da orquestra, a bela voz de Lenine e sentindo o impacto da letra da música, percebi meu corpo extasiar-se ao ser alimentado com um pouco mais de alma. Eu desacelerei. Será que eu estava fazendo hora? Estava indo na valsa? E o que importa? A vida é tão rara! E, se eu espero calma da vida, ela também espera calma de mim.
Na verdade, a vida está sempre nos convidando a percebê-la. Ela nos lança pistas, tentando nos chamar a atenção. Só que, não temos tempo a perder. Algumas semanas atrás, apareceu um fantástico gavião saltitando sobre os capôs dos carros na garagem do prédio em que moro. Não é comum esse tipo de visita em nosso condomínio. Carros sendo manobrados o tempo todo; pessoas apressadas que se cruzam sorumbáticas entre os automóveis.
O que fazia aquela linda ave desfilando em nossa garagem? Em meio aos meus passos acelerados de quem precisa chegar logo ao escritório, braços carregados de bolsas, mochilas e livros, tentei pegar meu celular para tirar uma foto. Ops, não tenho tempo a perder! A vida não para! E, fingindo que minha pressa era normal, entrei no carro sem ao menos agradecer a linda imagem com que o pássaro havia me presenteado logo cedo. Mais um convite que eu havia recusado: brindar com a vida!
A vida não para, mas a vida é tão rara! Talvez, de agora em diante, eu fique mais atenta aos momentos em que meu corpo me pedir um pouco mais de alma.
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Foto by: Marcos Lalli
https://www.instagram.com/p/zVfvi1Ozi2/?taken-by=7665marcoslalli
O momento que estou vivendo é de repensar sobre o quanto me doou e me doei . Me pensando, quando fizermos algo pra alguém seja quem for, não vamos esperar recompensa, fazer sem olhar a quem. Fiquei pensando que música traduziria o momento que estava passando. Lembrei da música do Lenine. Quando fui procurar a letra, encontrei o seu depoimento. Essa música traduz muito o que passamos!
Longe de pensar o que escrevo ser critica, mas tem um cenário la no teatro que merece também destaque. Foi bom para mim ler as suas sabias e doces palavras, quantas raridades.
Que texto lindo