À moda de Aristóteles
Já mencionei, anteriormente em meus textos, a palestra de Clóvis de Barros Filho. Toda vez que o ouço ilustrando o amor segundo Platão, é como acordar um pouquinho da hipnose de nosso cotidiano. Refiro-me à nossa cultura materialista e consumista que nos impulsiona, o tempo todo, a desejar o que não temos, motivando-nos a fazer de tudo para se alcançar cada desejo. Assim como à moda do amor platônico.
https://www.youtube.com/watch?v=T0r96D_hvmo&t=491s
Você já deve ter ouvido o empolgante discurso do Prof. Clóvis em que ele conta a trajetória infinita do indivíduo de nossos tempos rumo ao sucesso na vida. Degrau a degrau, somos levados a acreditar que, para tomarmos impulso, temos de sempre mirar o próximo degrau e não aquele em que estão nossos pés. Em outras palavras: à moda de Platão, somos impulsionados pelo desejo de estarmos no próximo degrau. Talvez assim, estejamos sempre insatisfeitos, porque, ao alcançarmos o degrau desejado, ele perde seu status e nosso desejo passa imediatamente àquele em que ainda não estamos. Como diria Clóvis de Barros Filho, o amor, à moda de Platão, é como um saco sem fundo.
Há uma trajetória de vida claramente modelada em nossa cultura: para se vencer na vida, você deve estudar uma profissão e competir no mercado de trabalho “com faca nos dentes”. Para isso, aqueles que têm condições para bancar os estudos de seus filhos usam a técnica do amor platônico como motivação que os leva a seguir em frente. Ou seja, a palavra de ordem é: “consiga o que você ainda não tem”. Quando as crianças estão no ensino fundamental, são levadas a acreditar que é muito importante alcançarem o ensino médio. Ao conseguirem a façanha, são levadas a acreditar que devem fazer todo o sacrifício do mundo para chegar ao ensino superior. Ao alcançarem os bancos de uma faculdade, esses jovens são estimulados a se dedicar em duas jornadas: os estudos e o estágio, pois só assim poderão conquistar um trabalho fixo. Quando conseguem um trabalho, são convencidos na certeza de que devem investir suas vidas em suas carreiras. Isso pode significar de dez a doze horas de trabalho diário de segunda à sexta (pelo menos).
Como será que nos deixamos levar por essa trajetória que mais parece ser desenhada por um coelho que corre atrás de uma cenoura que é puxada por mãos invisíveis? Creio que recompensas um tanto quanto questionáveis nos deixem meio hipnotizados. Talvez pelo status conquistado? Pelo carro zero na garagem? Pela troca do apartamento por uma casa? Pelos filhos nas melhores faculdades? (Eles mesmos serão motivados a repetir essa mesma trajetória). Será que essa conta fecha?
São cinco dias consecutivos vividos arduamente contra os tão esperados dois dias no final de semana. São onze meses massacrantes contra um mês de férias. São muitos confortos materiais contra muitos desconfortos estomacais. (Talvez a conta não feche…)
Parece que estou carregando na tinta ou até mesmo sendo pessimista demais. Mas, na verdade, é quase um padrão nos manifestarmos contra a rotina do dia a dia do trabalho. Lembro-me de que, na minha infância, minha irmã mais velha mantinha em sua escrivaninha de estudos (em casa) uma tirinha do Snoopy que dizia:
Segunda-feira: “Não falem comigo.”
Terça-feira: “Oh, Deus! Dai-me força.”
Quarta-feira: “Deixe-me morrer.”
Quinta-feira: “A vida infiltra-se lentamente em meu corpo.”
Sexta-feira: “Grande expectativa.”
Puxa, eu devia ter uns nove anos e me lembro disso até hoje! Na época, era como se a charge interpretasse fielmente nossos tempos de escola. E, por que não dizer, interpreta também o mundo dos adultos durante a semana. A diferença é que, na infância, a sexta-feira terminava com muitas brincadeiras de criança e, na vida adulta, a sexta-feira termina com muita bebida e fritura. Parece que éramos mais sábios quando crianças.
E o que dizer do final de domingo? Quem nunca sofreu uma queda brusca de potência emocional às 18h de um domingo? Quem tem coragem de dizer um belo “bom dia” numa manhã de segunda-feira? Dá até medo de ofender alguém. Ainda carregamos o paradigma de sermos escravos voluntários em corporações frias e calculistas. Quando alguém sai de férias, parece cena daqueles filmes em que um presidiário é solto, e todos os colegas de cela o abraçam dando recomendações: “Aproveite cada minuto! Faça tudo o que não pode fazer enquanto estava aqui! Divirta-se por mim! Tente não voltar mais!”
Brincadeiras à parte, parece haver uma relação de amor e ódio entre grande parte de nossa sociedade quanto ao trabalho formal na economia capitalista. Mas, será que precisa realmente ser assim?… Será que a culpa é unicamente de Eros, atuando em nossa sociedade? Até que ponto somos vítimas indefensáveis desse sistema?
Talvez, na própria palestra do Prof. Clóvis, haja uma pista para amenizarmos esse quadro: juntar Aristóteles a Platão. Se, por um lado, o amor à moda de Platão é desejar o que não se tem; por outro, o amor à moda de Aristóteles (Filia) é ser feliz com o que se tem. Eu não recomendaria a ninguém que deixe de desejar. Mas, ao mesmo tempo, acho importantíssimo prezarmos pelo que já temos.
Quem sabe, juntando Eros (à moda de Platão) e Filia (à moda de Aristóteles), cheguemos a uma fórmula que nos ajude a curtir melhor nosso famigerado “dia de semana”? Comigo, tem dado certo.
Oi, linda! Do jeito que está a conta não fecha, o que se fecha somos nós, o que se acaba é a Terra. Ontem estava pessimista com várias coisas, as reclamações demais no Facebook, esse governo que não me representa, seja por que não votei na proposta atual, seja porque dá vergonha da corrupção e dos parlamentares que lá estão. Pessimista tbm por ver belezas simples e frágeis que me invadem, seja na arte, na natureza, mas por ver gente na rua, miséria, guerra, estreiteza, burrice, não ignorância, fome... Como alguém passa fome, vive na fome, morre de fome? Porém, ontem vi um filme que levantou o meu astral, Demain (Amanhã). Tem no Netflix e fala de iniciativas de pessoas comuns na busca de um planeta mais sustentável. Pessoas ordinárias, como nós, muitas vezes somente reclamões, que colocaram a mão na massa e estão, literalmente, mudando o mundo. O foco é na Terra e na terra, nas pessoas, nos relacionamentos, na conexão, no compartilhamento. Sucesso? O que é esse sucesso que devemos ter? Dinheiro, sexo, baladas, bebida e calorias? Onde nos perdemos? Quando deixamos de olhar no espelho e nos conscientizarmos de quem nos levou até aquele momento foram as nossas escolhas? Que se foram nossas podemos sim mudá-las. Que se não temos força que podemos pedir ajuda? Sabe, querida, ainda é tempo de mudar. Eu discordo do positivismo barato de que todo dia sirva para isso, de que cada manhã é um "mar de possibilidades", no entanto, se a pessoa não passa fome, não está sob violência ou qualquer impedimento maior, hoje, no mínimo, pode ser sim, o começo da virada. Já escrevi demais, um café, um olho no olho ia ser bem melhor. :) Ótimo fds! HUHU! Tá chegando! É sexta-feira, meu povo!!! :) Relaxe e cuide-se.
Alôu, Caríssimo Jaylei! Você está super certo quanto a discriminar as situações... "se a pessoa não passa fome, não está sob violência ou qualquer impedimento maior, hoje, no mínimo, pode ser sim, o começo da virada." Por isso, alguns filósofos contemporâneos criticam tanto a "autoajuda". Definitivamente, o que dá certo para alguns pode não dar para outros. O "mar de possibilidades" de alguns pode ser um "pires de possibilidades para outros". Adoramos quando você nos escreve, Jaylei! Escreva sempre e muito!! Abraço gigante pra você.
Excelente seu texto, seu entendimento vem ao encontro daquilo que encontrei no Gigante Clóvis de Barros Filho... Assisto, recorrentemente às suas aulas/palestras... E cada assistir é como cada banho naquele rio do grego Heráclito... Aprendo o que não tinha aprendido antes, me torno no que não atinava me tornar antes... Concordo inteiramente com você: Eros e Filia devem andar juntos... Desejemos ardentemente tudo o que nos faz falta... E, ao conseguirmos, alegremo-nos por cada conquista... E
Excelente seu texto, seu entendimento vem ao encontro daquilo que encontrei no Gigante Clóvis de Barros Filho... Assisto, recorrentemente às suas aulas/palestras... E cada assistir é como cada banho naquele rio do grego Heráclito... Aprendo o que não tinha aprendido antes, me torno no que não atinava me tornar antes... Concordo inteiramente com você: Eros e Filia devem andar juntos... Desejemos ardentemente tudo o que nos faz falta... E, ao conseguirmos, alegremo-nos por cada conquista... E que sejam todas elas (as conquistas) no nível de engrandecimento de alma... Porque o sucesso verdadeiro é quando a Alma alcança aqueles momentos de que o Gigante Clóvis tanto fala... Os momentos de vida que valem por eles mesmos... Os instantes de vida felizes que são desejados eternos, ou lamentados quando se vão... Aí, sim, quando ocorrem, roçamos essa tal de Felicidade.