Ciro Marcondes Filho, jornalista e professor com mais de 250 livros publicados, traz à tona diversas reflexões sobre a comunicação em nossos tempos atuais. No primeiro capítulo de uma de suas obras (Para entender a comunicação), ele fala sobre a incomunicabilidade humana: “É o mal do século. Nosso século é o século da incomunicação. É o século do paradoxo, pois, em nenhuma outra época da história humana, as pessoas tiveram à sua disposição tantos meios de comunicação […]”.
Afirmar que vivemos em plena incomunicação, apesar das “trocentas parafernalhas” tecnológicas à nossa disposição (Smartphone, FaceBook; WhatsApp; Twitter; LinkedIn etc.), parece mesmo um paradoxo e, por isso, convido você a refletir comigo sobre esse tema. Pretendo lançar mão de alguns dos pensamentos do Prof. Ciro expostos nessa obra.
Para começarmos, seria importante compreendermos o que o autor considera, ao conceituar a comunicação humana:
“Durante muito tempo pensou-se que a comunicação era isso: eu transmito algo, através de um canal, sobre um meio qualquer, por intermédio de um veículo a outra pessoa: eu passo isso a ela. Que eu levaria as mensagens de um lado (emissor) a outro lado (receptor), da mesma maneira como um ônibus leva passageiros de um bairro ao centro da cidade. Pensava-se que a comunicação era uma coisa, um objeto […].”
A fala do Prof. Ciro nos remete à Teoria Matemática da Comunicação (ou Teoria da Informação), elaborada por dois engenheiros norte-americanos, Claude Shannon e Warren Weaver, em 1949. Na verdade, o foco desses cientistas não era o ser humano, por isso que seu olhar sobre a comunicação era objetivo e não subjetivo. Veja como seria um esquema dessa teoria:
SHANNON; WEAVER, 1949 (adaptado)
Alguns estudos utilizam, muitas vezes, a Teoria da Informação para tratar de alguns aspectos da comunicação humana. No entanto, quando não se integram outras teorias mais específicas à essa área, as considerações podem ficar meio confusas.
“Quem trouxe essa confusão foram as ciências físicas e da natureza, pois, para elas, a comunicação é isso. Mas nós não somos pedras, fios elétricos nem líquidos. Somos seres humanos. Estas ciências pensam a comunicação a partir de sistemas não-humanos, nos comparam com procedimentos de máquinas, de materiais da natureza, de líquidos. […] As pessoas diziam que isso era uma forma de “comunicação”: a eletricidade comunica a rede elétrica da rua ao meu liquidificador. Outros diziam que o cérebro se comunica com o coração, instruindo-a a dar mais batidas quando ficamos mais nervosos, dizendo que aí acontecia uma comunicação. Outros ainda falavam que o gelo, dentro do meu copo de aperitivo, comunicava seu frio ao líquido, tornando-o gelado.”
Como o próprio autor afirma, as ciências físicas e da natureza (ciências exatas e biológicas) veem a comunicação de forma bem específica: o foco está nos objetos. Não vejo que Shannon e Weaver sejam culpados por tentarmos adaptar sua teoria para a subjetividade da comunicação humana, posicionando a pessoa que fala no lugar da fonte de informação, e a pessoa que ouve no lugar da destinação. A comunicação humana é bem mais complexa que isso:
“Em todos esses casos, nos processos químicos, físicos, elétricos, como em muitos outros da natureza, fala-se de “comunicação”, quando, em verdade, o que se está querendo dizer é transmissão. Comunicação, ao contrário, é tornar comum, é fazer com que uma coisa seja a mesma num lado e no outro. Mas, em nenhum desses casos acontece isso, menos ainda com seres humanos. É impossível eu repassar a você o que se passa dentro de mim.”
Acompanhando o pensamento do Prof. Ciro, eu diria que a comunicação humana é nossa eterna tentativa de tornar a “minha ideia” em “nossa ideia”. Mas, na verdade, como não somos máquinas, tudo o que nos perpassa os sentidos, as emoções e mentes é processado pela nossa subjetividade. Isso significa que, na melhor das hipóteses, “minha ideia” (eu, como falante) perpassa a “sua ideia” (você, como ouvinte), podendo resultar em “sua ideia, versão 2”. Daí, podemos concluir que a comunicação é bem mais do que apenas transmitir ideias.
“Seres humanos dificilmente se comunicam […]. Seres humanos conversam, relatam coisas, falam de experiências; seres humanos escrevem livros, fazem filmes, encenam peças teatrais, fazem arte; seres humanos mandam mensagens; seres humanos fazem muitas coisas. Em suma, seres humanos sinalizam, mandam sinais – como, aliás, as outras coisas também. Mas, se isso é ou não é informação, se isso é ou não comunicação, tal fato já não depende mais deles, mas de quem os recebe.”
Os exemplos do autor podem nos remeter facilmente ao esquema demonstrado anteriormente: transmissão em “mão única”; ou seja: do emissor até o destinatário, sem considerarmos o que pode acontecer depois que alcança esse último. Quando emitimos uma mensagem, durante a comunicação humana, não temos garantias quanto ao impacto que ela causará naqueles que a receberão. Essa e outras questões foram propulsoras de muitas teorias da comunicação com os mais variados focos: no emissor; na audiência, na mensagem, na linguagem, nos meios, nos veículos, nos efeitos etc…
“[…] não existe troca de informação, não existe troca de comunicação, exatamente porque duas pessoas não constituem um sistema só. Existe uso, existe interesse. Eu uso ou não, interesso-me ou não pelas coisas que vejo, que ouço, que leio, que sinto. Se você está diante de mim fazendo piruetas, micagens, malabarismos, caretas, dançando, saltitando, correndo, rindo, tudo o que você possa imaginar, e eu estiver absorto, desligado, desconcentrado, nada disso existiu para mim. A comunicação só existe quando eu me volto a ela e a incorporo como algo para mim. (Deve-se excetuar aqui as situações, especialmente publicitárias, em que as pessoas são levadas a se interessar por coisas pelas quais normalmente não se interessariam).”
É bem apropriado o uso do termo “incorporar”, pelo Prof. Ciro. Para que a comunicação humana ocorra, é preciso que a informação seja incorporada conscientemente por quem a recebe. E, para que essa informação seja incorporada, é preciso que aquele que a recebe esteja receptivo a ela, que preste atenção nela, que seja perpassado por ela. Uma pessoa que não esteja interessada na mensagem não vivencia a comunicação. Não é para menos que, de uns tempos para cá, os estudos sobre o neuromarketing têm se intensificado tanto: tudo pela atenção plena do consumidor.
Após essas reflexões sobre as citações de Ciro Marcondes Júnior, gostaria de lançar alguns questionamentos: as chamadas novas tecnologias da comunicação têm nos lançado a novas formas de comunicação? Ou, têm nos solapado a “verdadeira” comunicação? Vamos pensar juntos?
Se concordamos que é imprescindível nos atermos às mensagens para que haja comunicação, posso concluir que essa atenção se dá pelo “ouvir pleno”. Ou seja: para haver comunicação, quem ouve não fala enquanto está ouvindo e quem fala não ouve enquanto está falando. Faz sentido? Você já viveu a experiência de estar em um grupo barulhento em que todos querem falar ao mesmo tempo, inclusive você? Durante sua “falação desesperada”, você consegue ouvir algum dos outros? Enquanto estamos tentando nos fazer ouvir, não conseguimos ouvir o outro: é um fato!
Durante o domínio da Indústria da Comunicação, as grandes mídias (televisão, rádio, revistas) falavam enquanto a audiência ouvia. Eram poucos falando para muitos ouvirem. Só que, esses muitos sempre quiseram “botar a boca no trombone”. Até havia espaços abertos ao público, fosse por meio de cartas às editoras, de ligações para as rádios, de participações em programas de auditório. Só que tratava-se de uma interação limitada, monitorada, controlada pelos próprios veículos. Ou seja: não havia liberdade para ouvintes, leitores e telespectadores se pronunciarem com liberdade.
Surge, então, a Internet e, finalmente, a demanda reprimida da audiência estoura: todos querem ser ouvidos. São infinitas páginas de FaceBook; grupos de WhatsApp; contas no Instagram; participação no Twitter; postagens no LinkedIn e muitas outras participações em redes sociais. Todos querem falar! E todos estão falando ao mesmo tempo!
As redes sociais, apoiadas pelas novas tecnologias da comunicação, parecem priorizar o falar. Mas, se todos querem falar ao mesmo tempo, quantos ouvintes restarão? Para se falar mais, a solução foi aumentar espaços disponíveis (blogs, sites, fanpages etc.) e reduzir o tempo de interação: os textos devem ser curtos e as falas devem ser rápidas. Nossas conversas, por meio dessas redes, são como jogo de ping-pong: a bola quica e rebatemos imediatamente. Ao demorarmos na resposta, perdemos a chance de falar!
Será que as chamadas novas tecnologias da comunicação têm nos lançado a novas formas de comunicação? Se a resposta for sim, teremos que abrir mão do conceito de comunicação exposto neste texto. Será que essas novas tecnologias têm nos solapado a “verdadeira” comunicação? Pelas reflexões colocadas, pode ser que sim pois: enquanto eu falo, eu não ouço. Se eu não ouço, eu não capto informações. Se elas não são captadas, eu não as incorporo. E, assim, não há comunicação.
Minha intenção não é bombardear nossas práticas nas redes sociais apoiadas pela tecnologia da comunicação. Minha intenção é propor reflexões sobre uma próxima fase para esta nova Era em que vivemos. No passado, éramos meros ouvintes; hoje, somos meros falantes. Que tal nos prepararmos para nos comunicarmos de verdade num futuro próximo? Pense nisso!
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